São Paulo, domingo, 5 de março de 1995
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A lição de Fidel

CAIO TÚLIO COSTA

Fidel Castro acuou o pessoal da revista "Time" há duas semanas convidando-o a entrevistá-lo em três horinhas de conversa. Acabou na capa, chamado de Leão. Lá dentro foi definido como cândido e levou no título, "Castro's compromises", o duplo sentido: "compromissos" sim, mas a palavra pode significar "concessões" também. Os jornalistas apertaram o que puderam o velho comunistão sem conseguir muita coisa, a não ser o óbvio: Cuba está aberta para negócios.
Ideologias à parte, o último dos comunistas fez ao menos duas observações que, se vistas sem preconceito, sem ódio e sem dó, merecem reflexão.
Na primeira delas Fidel demonstra peculiar estado de espírito, inimaginável no clichê do comunista: "Continuo sendo comunista, como os primeiros cristão continuaram cristãos. Eu me sinto como um primeiro cristão. Talvez seja devorado pelos leões".
Comunismo para Fidel, como se vê, é religião, não é forma de governo. A comparação com os cristãos carrega os laços de dependência que definem as religiões, aquela vontade de obediência a uma autoridade que domina e guia. Religião pressupõe reverência, submissão, humildade, tudo aquilo que Castro exige de seus fiéis. Continua o mesmo. O Leão que devora não é outro senão ele mesmo. Se Fidel corre risco, é o de autodevoramento.
A segunda observação pretende desancar com o capitalismo: "Acredito que o capitalismo, apesar de seu grande sucesso, é uma catástrofe para o mundo. As pessoas podem ter muitos carros, viver muito bem, mas o fato é que há bilhões de pessoas vivendo na miséria, sem carro, sem conforto, sem saúde pública, sem educação. O ar já está envenenado, as águas estão envenenadas, as florestas sofrem com a chuva ácida, o clima está ficando mais quente, todos nós estamos sofrendo com isso. O capitalismo desenvolveu as forças de produção e a tecnologia mas ao mesmo tempo ele vem cavando a sua própria cova".
Fidel tem razão. Falta acrescentar que o socialismo contribuiu o que pôde para esta devastação —vide Chernobyl, bósnios, tchechenos, máfias russas, milhares de refugiados da Europa central...
É consenso entre as pessoas inteligentes, observadoras das experiências do capitalismo e do socialismo, que o primeiro resolveu bem a questão da produtividade e o segundo a da distribuição de renda. O capitalismo provocou, no entanto, a enorme miséria na periferia de seu sistema. O segundo faliu sem conseguir produção, sem melhorar a qualidade de vida.
Mesmo assim vale a pena atentar para o falatório de Fidel. Tanto o finado socialismo quanto o vitorioso capitalismo conseguiram todas as desgraças listadas por Fidel e pelas quais ele não se sente culpado. Quem mora em metrópoles como São Paulo, ou Cidade do México, percebe o quão irrespirável, em todos os sentidos, está a vida. Alguma coisa tem de ser feita contra a miséria em toda sua extensão, a chuva ácida, a devastação, o envenenamento no ar e nas águas.
A solução, evidentemente, não vem do capitalismo —e nem de Cuba.

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