São Paulo, quinta-feira, 9 de março de 1995
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Participação nos lucros dos trabalhadores ou dos sindicatos?

JÚLIO LOBOS

"Toda empresa deverá convencionar com seus empregados, por meio de comissão por eles escolhida, a forma de participação daqueles em seus lucros e resultados".
Assim reza uma das principais partes da MP (medida provisória) 915, sobre a Participação dos Trabalhadores nos Lucros ou Resultados das Empresas (ou PTLRE), que acaba de ser reeditada. Caberia, portanto, diretamente aos empregados, junto com a empresa, a definição dos termos do plano de PTLRE. (A versão original, MP 794, lembramos, favorecia a negociação coletiva, deixando implícita a presença sindical. A primeira reedição, via MP 860, ocorrida em janeiro, já modificava isto. O fato de a MP 915 insistir nestes termos sinaliza a firme disposição do governo no sentido de deixar a PTLRE fora da negociação coletiva, e se possível, fora do alcance dos sindicatos.)
A idéia até que é boa, haja vista que, em todo mundo, experiências exitosas com a PTLRE quase sempre ocorrem quando deixadas por conta das empresas tão-somente.
Do ponto de vista dos empregados, as coisas talvez fossem ainda melhores, claro, se eles negociassem o plano de PTLRE com o empregador. Mas não há como saber por que isso rarissimamente ocorre. Empregados trabalham, não negociam. Às vezes, eles dialogam, sugerem, e até reclamam, mas não negociam. E não o fazem, porque quando o fazem, de repente tornam-se inconvenientes e acabam no olho da rua. Dirigentes sindicais, porém, não podem ser demitidos, ainda que sejam inconvenientes. E por isso são eles que costumam negociar pelos empregados em geral.
Convém prestar atenção às trivialidades anteriores para tentar se entender o que o governo está querendo com a última versão da medida provisória sobre a PTLRE, afinal. Isto não está claro. Como veremos, pode-se fazer do texto pelo menos três leituras alternativas.
A primeira leitura sugere que o governo quer mesmo deixar os sindicatos de fora de uma negociação que é, certamente, coletiva. Mas, por outro lado, o dispositivo indica que "um instrumento do acordo celebrado será arquivado na entidade sindical dos trabalhadores". Que acordo é esse? Um acordo de compadres? Então, não precisa ser arquivado, e sim comemorado com uma boa noitada.
Agora, em se tratando de um acordo do tipo capital-trabalho, ele tem que ser, antes de arquivado, negociado. E não é a Constituição da República que concede ao sindicato a representação dos interesses dos trabalhadores da categoria e o faculta a negociar, nesse âmbito? Como, então, manter os dirigentes sindicais de fora dessa negociação?
Suponhamos, contudo, que o anterior se consiga. Será que o sindicato, mesmo desinteressado, irá emprestar graciosamente seus arquivos para que empresas e empregados guardem os tais acordos celebrados? Papel ridículo este, convenhamos. Imagine-se, em São Bernardo do Campo, o Sindicato dos Metalúrgicos, veterano feroz de tantos arrastões e operações cambalachos de outrora, reduzido à condição de guarda-livros! Ou pior ainda, a mero espectador de um "diálogo" intramuros, do qual irão resultar acertos importantíssimos sobre remuneração flexível, condições de trabalho, metas (ex.: volume de produção, produtividade, custos etc.). Será?
A segunda leitura é a de que o governo deseja que não haja qualquer diálogo nem remotamente parecido com uma negociação entre a empresa e quem quer que seja para definir o plano de PTLRE.
Ou seja, a intenção não é apenas a de enxotar o sindicato, mas a de liberar a empresa para agir racionalmente. Afinal, seus executivos conhecem o negócio e sabem até onde pode se chegar melhorando os resultados (da empresa) e os prêmios (dos empregados), ao mesmo tempo.
Uma terceira interpretação, porém, seria a de que o governo faz questão de que ninguém entenda nada e, sendo assim, proceda do jeito que bem entender. Portanto, se a empresa quiser negociar com seus empregados o plano de PTLRE, ótimo. Melhor ainda, se não se importa com que o sindicato também participe. Ou é nada disso que ela quer? Então, se vire. Faça acontecer. (Se os outros deixarem, é claro.)
Enfim, se o que se deseja é deixar os sindicatos de fora do processo de definição do plano de PTLRE, ou passar o pleno controle disto à empresa, ou qualquer coisa entre esses dois extremos, seria bom que o governo desse alguma luz a respeito. Antes que seja tarde demais.
A idéia de liberar as empresas de encargos sociais ou de imputações de habitualidade com relação aos prêmios eventualmente pagos aos seus empregados é boa, refrescante. Mas, se as coisas não forem mais claras, corre-se dois riscos alternativos: dar às empresas, novamente, um pretexto para nada fazer ou dar aos sindicatos uma chance de voltar à ativa, pela porta errada.

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