São Paulo, quinta-feira, 9 de março de 1995
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Arte conceitual faz renascimento português

KATIA CANTON
ENVIADA ESPECIAL A JOHANNESBURGO

A arte de língua portuguesa é a grande vitoriosa dessa 1ª Bienal de Johannesburgo. Os brasileiros Dudi Maia Rosa, Marcos Benjamim e Adriana Varejão mostram uma obra madura e sofisticada.
Angola, emblematicamente pontuada pela imagem do artista Fernando Alvim, que apresenta um trabalho dramaticamente panfletário, é o mais falado país da mostra. E Portugal, representado pelos quatro jovens artistas, Ângela Ferreira, Luis Campos, Ana Jotta e Roger Meintjes, encanta e surpreende com uma arte conceitual da melhor qualidade.
Depois de um arrastado período de obscurantismo artístico, respaldado pelo regime salazarista, a arte portuguesa literalmente renasce.
O olhar competente do curador João Fernandes, diretor das "Jornadas de Arte Contemporânea do Porto", comprova o fato com uma amostra da nova arte contemporânea portuguesa na Bienal. "Chegadas: Partidas" é o tema da coletiva que comenta a interdependência e da ausência de pátria da arte contemporânea mundial.
Em entrevista a Folha, João Fernandes explica de onde vêm e para onde vai a arte de seu país.

Folha - Como você escolheu os artistas para representar Portugal nessa Bienal?
João Fernandes - Escolhi artistas jovens, que trabalham com questões sobre história, identidade e nacionalidade e que utilizam técnicas "impuras", quer dizer, em vez da pintura, que usam fotografia, instalação, costura. Dois artistas, Angela Ferreira e Roger Meintjes, manipulam diretamente a questão do nacionalismo.
A obra "Emigrações", de Angela Ferreira, decompõe e reinterpreta um afresco tríptico do modernista português José de Almada Negreiros, feito em 1946.
Roger Meintjes cria um enorme painél fotográfico que lida os absurdos da mente colonialista.
Folha - E os outros artistas?
Fernandes - Eles ainda lidam com a questão da identidade, mas de uma maneira mais genérica. Luis Campos mostra "Transurbanas", uma série de fotos com pessoas comuns posando à frente de cenários de subúrbio. Ana Jotta faz bordados e os apelida de "Canções da Formiga", o que remete ao feminino e à domesticidade.
Folha - A que você atribui o renascimento da arte contemporânea portuguesa, a extrema sofisticação desse jovens artistas?
Fernandes - Houve um certo isolamento econômico-político-cultural que, ironicamente, acabou ajudando o país a construir uma identidade artística própria. Essa sedimentação da identidade está relacionada ao fato de que há menos pressão para se produzir o que é unanimidade na arte contemporânea nos países que ditam os destinos da arte internacional.
Folha - Qual sua opinião sobre a preocupação de se fazer uma arte politicamente correta?
Fernandes - Isso não me interessa particularmente. Não me interessa sobrepor uma linguagem ocidentalizada com aspectos do artesanato ou de uma sensibilidade política local, quando na realidade esses elementos não se sobrepõem. Essas curadorias mistas têm efeito imediato mas são paternalistas e correm o risco de encobrir talentos que deveriam estar representados numa Bienal internacional.

A jornalista KATIA CANTON viajou a convite da South African Airways

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