São Paulo, quinta-feira, 9 de março de 1995
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Sequências convertem histórias em paródias

DAVID DREW ZINGG
EM SÃO PAULO

Sequências, Joãozinho —a vida transborda de sequências.
Você e eu somos sequências —de nossos pais. Fernandinho, lá em Brasília, é uma espécie de sequência do cabelo de Itamar agitado no vento. O Plano Real 2 não passa de sequência do primeiro plano, que foi uma sequência do malfadado Plano Cruzado.
Sequências são história antiga. Algumas das reconhecidas obras-primas mundiais não passaram de sequências.
O que foi o épico de Homero, a "Odisséia", senão uma "Continuação das Aventuras de Ulisses", o marinheiro-herói da "Ilíada"?
Sófocles, o grego, deu sequência a sua inovadora tragédia "Édipo Rei" com "Édipo em Colonus" e "Antígona".
Shakespeare foi um grande escritor de sequências. Há tantos Henriques nas peças do Velho Bill que quase se poderia pensar que Henry era o único nome que os ingleses davam a seus reis.
Todo mundo já assistiu o imortal filme épico sobre a Guerra Civil na Gringolândia, "...E o Vento Levou", do livro de Margaret Mitchell, que fez de Scarlett O'Hara e Rhett Butler o mais vívido casal de amantes da literatura norte-americana.
Alguns anos atrás o corajoso pessoal da Warner Brothers teve um sonho. Somaram a seu sonho ousado meros US$ 4,9 milhões e produziram uma continuação que eu recomendo energicamente que você nunca assista. Deveria haver sido chamado "De Volta Com o Vento". Era uma sequência.
As sequências são um fascinante objeto de estudo. Tio Dave tem um amigo professor na Grande Maçã, chamado Chris Cerf. Cerf se aprofundou tanto no estudo das sequências que fundou a sociedade "SAS" —a Sociedade Americana das Sequências, que publica notícias quentes sobre o aparecimento de sequências dignas de nota.
Você se lembra do guru religioso/filosófico L. Ron Hubbard? Ele fundou uma seita que estuda a Dianética. Este sistema para fazer frente às complexidades da vida atraiu o dinheiro e o tempo de grande número de astros e estrelas de Hollywood à procura de um final feliz.
É claro que a Dianética pariu uma sequência —a Diurética.
Este tomo profundamente importante foi escrito por W.C. Hubbard (nenhum parentesco com L. Ron), autor do livro do mesmo nome e fundador da Igreja da Urologia. Os membros da igreja medem a pureza de seus corpos usando aparelhos eletrônicos chamados "XXmetros", vendidos com generosos descontos pela fundação filantrópica do próprio W.C.
A lista de sequências famosas é infinita. A "Revolução dos Bichos", de George Orwell, preveniu e inspirou milhares de jovens marxistas brasileiros com sua sutil alegoria sobre a corrupção política. A "Revolução dos Legumes", a sequência completada pouco antes da morte de Orwell, em 1950, transmite uma mensagem muito diferente.
A protagonista é uma cenoura. Você reconhece esta cenoura? Orwell nos indaga profundamente. Seremos nós mesmos a apática alface, a desapaixonada banana, as entorpecidas batatas deitadas pachorrentamente no sofá? Ou será que tudo vai ficar legal? Ou o quê, pelo amor de Deus?
"Terra Sólida" foi a sequência pouco conhecida que Glauber Rocha fez de "Terra em Transe". Com um roteiro escrito pelo mentor intelectual de Glauber, Roberto Campos, o filme demonstra as recompensas de um novo e promissor sistema de pensamento tropical, chamado neoliberalismo. A sequência do filme, revolucionária com sua promessa de premiar os pobres com um frango em cada caçarola e um carro em cada garagem, costuma passar aos domingos nas igrejas progressistas.
Outra sequência latino-americana clássica é "Solidão: Os Próximos Cem Anos".
O povoado de Macondo, onde ocorria a ação de "Cem Anos de Solidão", de Gabriel Garcia Márquez, ficava no norte da Colômbia. Macondo foi destruída em 1903 por um grande furacão e a terra se tornou parte do Panamá. Foi ali que a tatara-tatara-tatara-tataraneta de José Arcadio Buendía deu à luz seu tatara-tatara-tataraneto, Manuel Antonio Noriega.
O garoto sério com o rosto bexiguento iria se transformar no militar que aplicaria seu talento à indústria da cocaína. Ele olhou para o Canal do Panamá, espantado e maravilhado.
Por que será, indagou-se o menino, que os navios tinham os nomes de portos estrangeiros mas ostentavam a bandeira do Panamá, enquanto os prédios da Zona do Canal, que ficava no Panamá, ostentavam a bandeira dos Estados Unidos?
"Existe algo neste país que não esteja à venda?", indagou-se Antonio Noriega. "Se houver, preciso comprá-lo", ele pensou, "e depois revendê-lo".
Um dos mais famosos livros do mundo, que já teve várias sequências publicadas em diversas línguas, é "The Man Who Mistook His Wife for a Hat" (O Homem que Confundiu Sua Mulher com um Chapéu), do renomado neurologista dr. Oliver Sacks. Depois do enorme sucesso de seu livro, que descreve os problemas mentais de um homem que não consegue distinguir as funções das coisas e das pessoas, o dr. Sacks sofreu muito com a incompetência dos editores em outros países.
Sacks recentemente descobriu e isolou uma nova e onipresente desordem neurológica que chamou de "hipertranslexia", ou seja, a incapacidade de um editor de traduzir o título de um livro.
Se você fosse o dr. Sacks, Joãozinho, o que você acharia destes títulos:
"Sahib Doido, Ele Achar Mulher, Turbante Tudo Mesma Coisa!"
"Qualquer Lugar Que Ele Pendurar Sua Esposa É Sua Casa Para Ele"
"Pardon Moi, Monsieur, Mas o Senhor Parece Estar Mantendo Relações Sexuais Com Minha Boina"

Tradução de Clara Allain

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