São Paulo, quinta-feira, 9 de março de 1995
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Os perigos do sucesso

GILBERTO DIMENSTEIN

BRASÍLIA — Cautelosamente, o governo preparou ontem terreno para uma má notícia: a inflação deste mês vai talvez superar os 2%. Até pouquíssimo tempo, seria uma ótima novidade. Antes da implantação do real, os preços estavam nas alturas. O fato: o governo Fernando Henrique Cardoso sofre o ônus do sucesso. Explico melhor.
O ministro Pedro Malan esteve ontem na Câmara, onde disse esperar subida do índice de preços, prevista em 2% pela Fipe. Mais um fator a nutrir a crônica desconfiança nacional.
FHC assumiu o Planalto no melhor dos mundos. A inflação estava em queda e consumo em alta, num ambiente de otimismo que, não poucas vezes, misturou combinou ilusão e histeria. Isso foi decisivo para produzir cena rara na história brasileira: um presidente deixar o cargo no auge de sua popularidade.
Itamar Franco era comparado a Fernando Collor. Tinha a seu lado o inverso do ônus do sucesso —o benefício do fracasso. Fernando Henrique, porém, é comparado a um período de euforia, quando tudo parecia dar certo.
No semestre passado, inflação de 2% ao mês era uma utopia. Agora, carrega sombras de tragédia, numa economia sem indexação. Projete-se esse taxa por 12 meses, teremos a seguinte conclusão: o salário de um trabalhador perde cerca de 26% num ano. Ou seja, ele fica um quarto mais pobre.
Não é fácil explicar ao homem comum que, afinal, a euforia anterior era uma ilusão. A estabilização dependeria de "reformas estruturais" —aliás a expressão reforma estrutural tem, para a maioria das pessoas, significado e concretude não muito diferente do top quark.
A sensação popular é de que as coisas pioraram —e se pioraram os culpados devem ser o presidente e seus ministros. Se a sensação é vaga, seus efeitos são mais precisos. Obriga o presidente a dialogar com menos vantagem com os partidos.

PS — Não é nada fácil negociar com o Congresso, onde se produzem cenas explícitas de demagogia. Primeiro foi o aumento do salário mínimo e, ontem, no Senado, a limitação de 12% de juros por ano —se essa última medida fosse aceita, teríamos hiperinflação em 24 horas.

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