São Paulo, quarta-feira, 15 de março de 1995
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Jatene começa a virar Jatene

LUÍS NASSIF
JATENE COMEÇA A VIRAR JATENE

O ministro da Saúde Adib Jatene parou de tentar demonstrar que é o verdadeiro Adib Jatene, e na semana passada começou a administrar. Na sexta-feira, ligou para Gílson Carvalho —ex-secretário nacional de Saúde e principal responsável pela implementação da municipalização da saúde no governo passado— para comunicar-lhe em primeira mão que o programa seria retomado. Foi um ato de elegância e de humildade do professor-doutor para com o obreiro Gílson, um petista de barba desgrenhada, barriga escapando por sobre o cós da calça, pressão alta permanente, que ajudou a revolucionar a saúde brasileira, fazendo mais pelas reformas estruturais no país do que essas dúzias de yuppies que venderam ilusões com seus planos macroeconômicos, para se enriquecerem no mercado financeiro.
Em fins do ano passado, após inúmeros atrasos decorrentes da falta de ritmo do governo Itamar, 46 municípios ganharam a função semiplena —isto é, o direito de administrar diretamente os recursos da saúde. Houve tempo de implementar apenas 24.
Ao assumir, Jatene anunciou a intenção de paralisar o processo para maiores averiguações. Na sexta passada, decidiu completar o processo nos 22 municípios restantes.
Ao mesmo tempo, anunciou o reinício das reuniões do Conselho Nacional de Saúde —entidade regulada por lei, composta de 25% de trabalhadores da saúde e 25% de prestadores de serviço— que jamais havia se reunido em sua gestão. E abriu mão de sua pretensão de transformar os conselhos (municipais e estaduais) em órgãos meramente consultivos. Na semana passada, decidiu manter seu caráter deliberativo.
Em questão de dias, Jatene deixou de jogar para a torcida e colocou seu inegável peso político a serviço da maior causa federativa da história do país —a municipalização da saúde com controle social.

Favorito da imprensa
Enquanto se preocupou em provar que era o verdadeiro Jatene, o ministro transformou-se no favorito da imprensa —e no pavor do sistema. Primeiro, a já mencionada paralisação na municipalização, colocando todo o processo sob suspeição.
Depois, o anúncio precipitado do corte de 50% do pagamento de 1.300 hospitais de localidades com menos de 30 mil habitantes, cujos índices de internação por habitantes superavam a média nacional.
Ganhou manchetes dos jornais. Mas causou enorme transtorno, porque as estatísticas do ministério não levavam em conta o entorno —a população das regiões vizinhas atendidas por esses centros médicos. Depois decidiu que quem quisesse voltar à normalidade teria que se justificar —pessoalmente!— a ele próprio. Foi uma confusão de dimensões cambiais, uma avalanche que deve ter entupido o sistema telefônico do ministério.
Seguiu-se uma série de declarações de boas intenções, todas ganhando manchetes, mas descosidas de um projeto global. Ora a história de os planos de saúde privados pagarem o SUS, ora de se oficializar a cobrança "por fora" de consultas, uma fila infindável de propostas. Algumas politicamente corretas, outras nem tanto, mas que deixavam o setor tonto: como, quando e onde?
Para a imprensa era uma festa, porque cada declaração era entendida como um programa já em andamento e produzindo resultados. Nenhum Jatene chega aos pés do Jatene, constatam os colegas maravilhados. Na prática, nada que denotasse uma visão estruturada da saúde.

Trabalho relevante
Agora o ministro deixa de lado a busca do aplauso fácil. Como pessoa séria e inteligente, percebeu a dispersão do estilo anterior e resolveu se concentrar no aprimoramento da municipalização.
Em vez de descentralização em nível de município, planeja a otimização por micro e macrorregião —o que é mais racional; senão, a racionalização das despesas faz com que a sobra de recursos fique no próprio município, atraindo pessoas de outras regiões para lá.
Além disso, está pressionando os secretários estaduais de Saúde a mapear os fluxos de atendimento estaduais e se empenhar mais nos controles da assistência estadual. Cada bipartite (conselhos formados pelo secretário estadual e pelos secretários municipais de cada Estado) vai fixar tetos de despesas para cada município. E cada município vai saber quanto vai poder internar na capital.
Enfim, não há nada que não possa ser aprimorado em pessoas de boa vontade, como o ministro Jatene.

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