São Paulo, quarta-feira, 15 de março de 1995
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

A desvalorização e o Banco Central

GUILLERMO TOMÁS MÁLAGA

Todos os episódios de desvalorização na América Latina têm sido traumáticos: inflação, golpes militares e falências seguem-se em decorrência. O caso mexicano é apenas um caso recente.
O Brasil também mostra, na sua história, episódios dramáticos de desvalorização. O importante agora não é saber se a que experimentamos na semana passada foi ou não bem administrada pelo Banco Central, embora seja este o ponto que a imprensa tem enfatizado.
A elevação do juro e a fuga de capitais dificilmente seriam evitados, fosse qual fosse a forma como a nova política tivesse sido implementada. Um anúncio mais claro das medidas apenas teria minorado estes efeitos, mas não os teria evitado.
Aparentemente, o ataque especulativo que o Banco Central sofreu não deixou grandes perdas para o país. Algumas instituições financeiras podem ter tomado prejuízo, mas instituições financeiras que se expõem a riscos estão sujeitas a perdas. Para o país, as reservas, que têm um custo de carregamento enorme, foram em parte recompradas, com lucro de 1%.
Se alguns economistas e membros do governo acham que se pode depender da taxa de câmbio por longos períodos para conter a inflação, devem prestar mais atenção aos números da balança comercial. Esta apresenta números negativos desde novembro de 94: -US$ 492 milhões em novembro, -US$ 884 milhões em dezembro, -US$ 290 milhões em janeiro. Para fevereiro, este número poderá chegar perto de um déficit de US$ 1 bilhão!
Quem sugere que poderá captar no exterior dinheiro para financiar a estabilização bem sabe que os fluxos financeiros de pagamentos externos começaram a mostrar números negativos a partir da crise do México (até antes do surto da semana passada saíram mais de US$ 4 bilhões).
Seria absurdo pensar, portanto, que o Brasil pode reproduzir o esquema mexicano ou argentino em 1995. A lição de casa, diminuir a absorção interna e aumentar a poupança doméstica, terá que ser feita rapidamente se não quisermos ter de volta o processo inflacionário ou uma crise cambial mais séria no final do ano.
Não existe estabilização baseada exclusivamente em âncora cambial que não tenha acabado em crise externa. Dado que não poderemos ter o ajuste fiscal estrutural feito ao longo deste ano, devemos nos contentar com uma inflação maior e evitar um colapso de nossos pagamentos internacionais.
Alguns economistas dão demasiada importância à indexação, mas esta provavelmente não voltará tão cedo. Alguns dizem que o Brasil tem cultura inflacionária; os fatos negam explicações antropológicas da inflação.
A indexação é apenas um engodo populista que não preserva o poder de compra dos salários; haja vista o "boom" de consumo que a estabilização criou ao devolver o imposto inflacionário aos trabalhadores. Todos sabem disto, exceto alguns políticos miópicos em Brasília. Se a inflação subir, pode ser que a indexação continue anual, mas não voltará a ser mensal tão facilmente.
O ajuste do lado fiscal está por ser feito. Passados três meses de governo, não se vê a urgência que a questão merece. A atuação do Banco Central coloca novamente a estabilização na direção correta. Não é o câmbio que salvará o real, são as contas do seu emissor, a União.
Argumenta-se que o ajuste da taxa cambial deve ser pequeno, para que voltemos a ter superávits comerciais acima de US$ 10 bilhões. Quem sustenta esta opinião não está enxergando que teremos, praticamente, uma desvalorização de 12%, que devolverá grande parte da competitividade do setor exportador.
Os que sugerem que os juros e os adiantamentos de câmbio são mais efetivos para devolver a competitividade ao setor exportador parecem não perceber que quem gosta de juros e adiantamentos de contratos de câmbio é o setor financeiro; o setor exportador quer uma taxa de câmbio que viabilize as exportações.
Quando se aumentam os juros, é o setor público quem paga esse custo adicional a todos os detentores de dívida pública. Isso resulta, portanto, em um custo altíssimo por dólar exportado. Trata-se de uma medicina com muitos efeitos colaterais.
A imprensa e o setor financeiro poderão responsabilizar o presidente do Banco Central pela crise cambial. Lembremos, contudo, que a confusão da semana passada foi gestada durante nove meses de atraso cambial, com juros altíssimos que oneraram as contas públicas. Neste período, o ajuste fiscal foi adiado e resultados negativos nas reservas internacionais começaram a aparecer, evidenciando que as taxas deprimidas de inflação não poderiam ser sustentáveis no longo prazo.
As medidas tomadas foram acertadas, pouco fisiológicas, e agora esperamos a mesma atitude responsável das outras áreas do governo. Durante este ano crítico não adiantará em nada a "competência", tradicional da administração tucana, para não se expor e não fazer nada. Ainda que errando nos detalhes, dever-se-á enfrentar todos os ajustes necessários.
O novo pacote, se bem sucedido, diferenciará o Brasil do México e da Argentina, pois indicará que o Banco Central dispõe de instrumentos de política monetária para frear uma crise. É por isso que foi bem recebido no exterior.

Texto Anterior: Veto político; Quem assume; Acordo de cooperação; No estaleiro; Expansão menor; Novo controlador; Energia alternativa; Atuação regional
Próximo Texto: Inadimplência no comércio cai em março
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.