São Paulo, quarta-feira, 15 de março de 1995
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O papai-e-mamãe caiu no processador "Word"

Fora do trivial invariável, novo revisor perde utilidade

JOSUÉ MACHADO
ESPECIAL PARA A FOLHA

O "Revisor DTS Windows" é uma espécie de revisor "papai-e-mamãe", se nos perdoam todos: fora do trivial invariável, ele perde o jeito, a graça, o rebolado e a utilidade. Mesmo no trivial, às vezes claudica. É preciso jeito, paciência e conhecimento da língua para lidar com ele. Com o DTS, o casamento será sempre bem-comportado. Haverá mal nisso? (Ele é incapaz, por exemplo, de detectar a necessidade do hífen em "bem-comportado".) E indicará, erradamente no caso, falta de ponto final depois do fechamento do parêntese.
Não se quer dizer que não possa ser útil, porque qualquer instrumento capaz de despertar curiosidade pelas coisas da língua será bem-vindo (com hífen). Apenas não percebe as múltiplas variações gramaticais, coisa incompreensível. Por isso, a informação de que "Com o 'Revisor DTS' você escreve corretamente sem ter domínio completo da gramática portuguesa" equivale à promessa do palmeirense Edmundo de não mais tropeçar em repórteres do Equador ou de alhures.
"É um programa completo pois incorpora, em um único produto, as funções de revisão ortográfica, revisão gramatical, acentuação automática e correção automática inteligente." Essa é outra promessa. Completo? Não é. Inteligente? Por que usar essa palavra? Aponta, por exemplo e por engano, a necessidade de ponto final depois das últimas aspas. Não identifica erro em maravilhas como "Não peça-me amor", ou "Nunca mais lhe vi". Em "Poderia-se dizer", distração já publicada nesta Folha, aponta a opção "se poderia", como se no meio da frase, em vez de "Seria possível" ou do parlamentar "Poder-se-ia". Se a preposição "a" aparece antes de palavra masculina, como em "a propósito" ou "a todos", ele empaca e mostra a opção aceitável, escravo cego do papai-e-mamãe: "o propósito", "a toda, os todos, o todo, as todas". E explicará paciente, se se apontar o campo "Ajuda", que "O adjetivo e artigo devem concordar com o gênero e número do substantivo". Assim, sem o artigo "o" antes de "artigo" e antes de "número".
Em ortografia e acentuação, funciona bem. E aponta algumas, apenas algumas, palavras homógrafas imperfeitas (pôde, pode, porem, porém, vívido, vivido), para que o usuário escolha, se souber, a que cabe no contexto. Mas ignorou a diferença, por exemplo, entre "acento" e "assento", "cara" e "cará" e muitas outras. É um programa bem-intencionado, mas tem de aprender muito antes de ensinar.
Poste escrito: No item "Revisor ortográfico", o manual de operação do "DTS" informa: "Através de um dicionário próprio, com aproximadamente 2 milhões de palavras, revisa ortograficamente os seus textos...". Fantástico. O Aurélio contém uns 130 mil verbetes, isto é, palavras definidas. Se se reunirem todas as palavras da língua, inclusive regionalismos e arcaísmos brasileiros, portugueses e das ex-colônias lusas na África e na Índia, talvez se cheque a trezentas mil. Será que o "DTS" (R$ 170) reuniu a seu rico acervo palavras inglesas, francesas, espanholas, russas e árabes para chegar a 2 milhões?

DTS Software: tel. (011) 549-659

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