São Paulo, quarta-feira, 15 de março de 1995
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

A inevitável saída inflacionária

CELSO MARTONE

A relativa estabilidade de preços dos últimos meses era totalmente dependente da fixidez da taxa de câmbio, a única "âncora" nominal do Plano Real. A política monetária tem sido passiva, acomodando as variações na demanda de moeda, e a política fiscal tem sido fortemente expansiva, com um ritmo de aumento das despesas do Tesouro Nacional de 30% ao ano em termos reais.
Esse esquema de política econômica gerou um excesso de demanda generalizado no país, que se refletia, de um lado, num ritmo exagerado de crescimento do PIB (cerca de 8% ao ano) e, de outro lado, num déficit na balança comercial e no balanço de pagamentos como um todo.
A situação era, portanto, insustentável a médio prazo e tornou-se também insustentável a curto prazo a partir da crise financeira que assolou alguns países importantes da América Latina (especialmente México e Argentina).
A decisão de desvalorizar o real era inevitável, embora a trapalhada do Banco Central durante a semana passada tenha sido lamentável, pois gerará desconfiança no governo daqui para a frente.
É importante entender que a desvalorização atenua o déficit externo, mas agrava o excesso de demanda no mercado interno. As consequências disso, se nada mais for feito, são o aumento da taxa de juros (que já vem acontecendo) e o aumento da taxa de inflação nos próximos meses.
O governo tem três opções para lidar com a nova situação. A melhor delas é promover uma forte contração fiscal, mediante o corte de despesas e aumento de receitas, de tal forma a reduzir o impacto da desvalorização sobre a demanda interna.
Se isso for possível, o país poderá ajustar-se com um aumento pequeno de juros e de inflação e um crescimento bem mais modesto do PIB neste ano.
A segunda alternativa, se pouco for feito na área fiscal, é aumentar drasticamente a taxa de juros para reduzir demanda. A economia se ajustaria com um pequeno aumento de inflação e um crescimento menor do PIB.
Essa solução tem duas desvantagens que a tornam inviável a prazo mais longo: inibe o investimento privado, tão necessário nesse momento para ampliar a oferta, e aumenta o déficit do setor público, já tão carregado de dívidas.
A terceira alternativa é não fazer nada e deixar que a própria aceleração inflacionária faça o papel de ajustar a economia, a exemplo dos planos anteriores. Mais adiante, um novo plano, talvez o "novo real", seria implementado para começar tudo de novo.
Qual das alternativas será seguida? A primeira delas (contração fiscal) parece fora do alcance do governo, tendo em vista a rigidez para baixo das despesas públicas e a falta de controle sobre Estados e municípios e empresas estatais.
As medidas fiscais já anunciadas são "para inglês ver" e devem produzir um efeito desprezível sobre a despesa. Uma mudança séria na política fiscal só será possível depois das reformas constitucionais, ou seja, no mínimo a partir de 1996.
A saída pela política monetária, com aumento cavalar das taxas de juros, é possível a curto prazo, como ocorreu muitas vezes no passado (lembremo-nos do período Marcílio-Gros), mas não é crível à medida que agrava a situação fiscal mais adiante. Entretanto, no quadro atual parece ser a mais provável para evitar o colapso do Plano Real por algum tempo.
Na verdade, essa segunda alternativa desemboca na terceira, pois a deterioração fiscal passa a exigir uma saída inflacionária no futuro. Entretanto, não fazer nada agora e deixar que a inflação "faça o serviço" de equilibrar oferta e demanda, como nos planos anteriores, parece pouco provável, pois o governo tende a lutar até o fim antes de reconhecer o fracasso de seu plano e começar a pensar num plano novo.
Concluindo, pode-se dizer que, se a única saída para o Plano Real (uma mudança radical da política fiscal, no sentido do máximo superávit operacional possível do setor público) está bloqueada neste momento, teremos uma saída inflacionária, mais cedo ou mais tarde.
A banda cambial anunciada não é sustentável, novos e mais fortes ataques especulativos contra o real ocorrerão, até que uma reindexação geral da economia se produza.
O consolo hoje é que a reinflação poderá ser mais moderada do que no passado, pois não há controles de preços, as reservas cambiais ainda são elevadas e o próprio déficit do governo é menor.
Mas a lição sempre presente é a mesma dos outros planos desde 1986: enquanto a estrutura fiscal brasileira não for reformada na sua base, não haverá estabilização possível.

CELSO L. MARTONE, 50, é professor titular do Departamento de Economia da Universidade de São Paulo e pesquisador da Fipe (Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas).

Texto Anterior: O segundo Leviatã
Próximo Texto: Leio Cony; Lei Cintra; Obra para quem paga imposto; Ricardo Semler; Folha dos especuladores; Irresponsabilidade geral; Cinemateca ameaçada; Toma que o filho é teu; Aposentadoria de papel; Escolha; Evangélicos
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.