São Paulo, domingo, 19 de março de 1995
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NA PONTA DA LÍNGUA

MARCELO LEITE

Fiz uma curiosa aquisição vocabular no trajeto entre o aeroporto e o centro de João Pessoa (PB), onde participei quinta e sexta-feiras do 1º Encontro Nacional de Ouvidorias e Órgãos de Cidadania. Dou um doce para quem adivinhar, no Estado de São Paulo e adjacências, o que é um "girador".
Estava escrito numa placa de trânsito. Logo descobri que se trata do que hoje os paulistas chamam de "rotatória", não sem algum pedantismo tecnocrático. No fundo, uma maneira besta de dizer o que os paraibanos dizem melhor, com simplicidade: girador.
A simples leitura da placa e a descoberta subsequente desataram um trem de associações paradigmáticas, que me levou a "rotatória", "rótula" e "balão". Não sei mais precisar onde se diz "rótula", mas "balão" é o termo mais antigo que conheço para designar essas ruas circulares que deveriam disciplinar o trânsito entre ruas convergentes, sem recurso a faróis (perdão, semáforos), nas quais geralmente reina completa anarquia.
Ninguém mais fala "balão". Uns poucos ainda dizem "vou fazer o balão", dando a entender que vão fazer a volta com o carro. Muita gente deve olhá-los de soslaio, como fariam se usassem outras expressões exóticas, como olhar de "soslaio" ou "andar de fasto".
O que essas bobagens têm a ver com a linguagem usada, ou maltratada, pelos jornais? Nada, ou bem pouco. Por outro lado, muito. Parece bobagem, mas essas descobertas irrelevantes, miúdas, podem ser fonte de prazer. Para isso, é preciso não perder a curiosidade, sem a qual todo jornalista se torna um burocrata (sobretudo, ao escrever).

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