São Paulo, domingo, 19 de março de 1995
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Maturidade

MARCELO LEITE

Não chegou a assombrar, mas foi um grande feito. No último domingo, a Folha bateu novo recorde, vendendo mais de 1,5 milhão de exemplares. Esta marca invejável foi alcançada não por mérito jornalístico, mas graças ao novo rebento da família de fascículos com que o jornal vem há sete meses alavancando sua circulação, o atlas histórico Folha/"The Times".
Como de hábito, o jornal enfeitou bem sua edição de estréia. Entre outras novidades, lançou mais um caderno com material de leitura extensiva, Tempo Real; criou uma seção para mulheres, Saia Justa; reformulou a disposição das colunas de Finanças; e transferiu de segunda-feira para domingo a página de Saúde.
É manifesto que essa edição mais recheada tem por objetivo mostrar para o leitor momentânea e artificialmente conquistado um produto melhor do que normalmente seria, ou (quase) tão bom quanto poderia ser. Em termos práticos, trata-se de tentar cativar 420 mil novos compradores pelo jornal propriamente dito, uma vez que a isca usada para atraí-los tem seus dias contados (33 semanas).
Uma maneira bem menos lisonjeira de encarar a edição de domingo passado é considerá-la sob o prisma da tensão entre marketing e jornalismo. Pela primeira vez na última década, a tiragem da Folha dá um salto sem ter sido impulsionada por uma iniciativa da Redação. Era importante demonstrar, nessa data incomum, que os jornalistas também são capazes de fazer bonito. (É mais ou menos como reservar o sapato novo para a missa de domingo.)
O primeiro fascículo do atlas histórico, porém, continha um erro de digitação, a troca de "aC" por "dC" (antes/depois de Cristo) em algumas datas da cronologia que abre o volume. Numa obra desse gênero, não é um erro trivial. Segundo o departamento de Marketing Editorial, será corrigido em uma errata no final da obra.
O jornal propriamente dito, por seu turno, também apresentava problemas. Não me refiro aos muitos erros de digitação, mas às novidades elas mesmas. Tempo Real, por exemplo, nome que incomoda já pela associação com o da moeda-fetiche ligeiramente combalida e pela idéia de simultaneidade incongruente com um caderno semanal.
O nome, contudo, é o de menos. O suplemento, todo ele dedicado ao tema relevante da reengenharia do Estado, tinha bom conteúdo, mas é mais um catatau num dia para lá de sobrecarregado.
Além dos cadernos que só saem no domingo, como Veículos, Imóveis e Empregos, o jornal traz ainda —pelo menos para os leitores da Grande São Paulo— o tablóide TV Folha e a Revista da Folha. O caderno Brasil sai com mais páginas do que nos dias de semana, engordado por extensas reportagens especiais; o caderno Finanças e agora também São Paulo/Cotidiano sofrem igualmente esse efeito Mais! (ou efeito demais), que é o suplemento criado pela Folha para aprofundar temas culturais e científicos.
Em outras palavras: numa época em que o preço do papel chega à estratosfera, o jornal torra toneladas com mais e mais cadernos que poucos terão tempo ou paciência de ler. Como ombudsman, só me resta dizer que preferiria ver a qualidade vir antes da quantidade.
Encadernação
Sou adepto convicto dos fascículos. Não tanto por sua capacidade de vender jornais (o que nenhum jornalista deveria em sã consciência objetar), mas sobretudo por seu conteúdo didático. Vez por outra, no entanto, tendo a concordar com os que vêem neles uma caixa de Pandora, aquela da qual saíram todos os males do mundo.
Este comentário vem a propósito da confusão gerada com a encadernação das coleções já completadas. Em duas reportagens publicadas recentemente (nos dias 8 e 14), a Folha enfim reconheceu de público que o sistema por ela montado não estava funcionando. No que se refere ao atlas geográfico, a primeira série a ser concluída, há nada menos do que 104 mil fora do prazo de devolução prometido, de 30 dias.
É um absurdo.
Permito-me esta observação, embora não seja da minha seara (sou ombudsman da Redação, não de toda a empresa), por duas razões: 1. esse tipo de problema, ainda que administrativo, acaba por afetar negativamente a credibilidade do jornal, pois o leitorado tem consciência de que este é indissociável da empresa que o publica; 2. com a dificuldade e a demora da empresa para dar uma resposta satisfatória, os leitores desassistidos foram bater à porta do ombudsman, ocasionando um desvio de função que prejudica o desempenho de suas atribuições verdadeiras.
Os primeiros atlas para encadernação foram entregues no começo de janeiro, portanto deveriam ter sido devolvidos nos primeiros dias de fevereiro. Exatamente nessa época, começou uma avalanche de cartas e telefonemas para o ombudsman.
De lá para cá, foram 211 queixas. E olhe que só costumam procurar pelo ombusdman as pessoas em real desespero de causa por se considerarem insatisfatoriamente atendidas pelo serviço do assinante e pela empresa contratada para administrar o processo de encadernação, chamada GCI/ Promopack.
Não fiz ainda uma pesquisa decente, mais tem todo sentido a informação que venho ouvindo de pessoas do ramo: para cada cliente que procura um serviço como o do ombudsman, pelo menos 10 outros deixam de fazê-lo, embora tenham reclamações semelhantes; cada um desses 11 insatisfeitos fala mal do produto para outros 10, no mínimo.
Quer dizer, só os casos atendidos pelo ombudsman corresponderiam a um universo de mais de 23 mil pessoas alcançadas por opiniões devastadoras para a imagem da Folha. Nestes tempos em que se fala tanto de qualidade total, é o caso de parar para pensar. Ainda é a melhor forma que se conhece para aprender. E amadurecer.

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