São Paulo, domingo, 19 de março de 1995
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Foice é usada desde os 7 anos

DO ENVIADO ESPECIAL

A maioria tem marcas de cortes de foice pelo corpo. Isso quando não perdem parte da própria mão, degolada no corte da cana.
Os meninos de engenhos ou usinas formam a legião dos futuros sem-aposentadoria do país.
Uma pesquisa concluída no ano passado revelou que 91,27% das crianças de áreas dominadas pela cana-de-açúcar começam no serviço entre os 7 e 13 anos.
O levantamento foi feito pelo Centro Josué de Castro, especializado no estudo da fome no Nordeste, em convênio com a Save Children Fund, uma entidade inglesa de pesquisas sobre crianças e adolescentes em todo o mundo.
A região pesquisada foi a Zona da Mata (PE), uma das áreas de domínio das usinas do Nordeste.
Ali, pelo menos 60 mil crianças estão entregues às atividades de corte de cana. Correspondem a 25% da mão-de-obra das usinas e engenhos.
Os números foram considerados espantosos pelos técnicos que estiveram no campo.
O mais terrível é que pelo menos 57% dos meninos já se acidentaram. Cortam-se com o próprio instrumento de trabalho: a foice, de golpes profundos e perigosa até mesmo quando manejados por hábeis adultos.
As crianças repetem a mesma trajetória de seus antepassados. A maioria (56%) começa a trabalhar aos 7 anos, quando poderia estar iniciando a fase escolar.
A exploração infantil, segundo a pesquisa, é considerada, pelos próprios pais, como coisa normal. Precisam das crianças para completar o salário em casa. Numa região onde a renda familiar não passa de US$ 23, as crianças tornam-se importante na constituição deste ganho.
Trabalham 44 horas por semana e mesmo quando chegam aos 17 anos a maior parte delas (90%) ainda não possuem registro em carteira profissional.
Com a renda, as famílias da Zona da Mata não conseguem sequer comprar o total de alimentos necessário para fornecer a energia que gastam nos canaviais.
O dinheiro que ganham é suficiente apenas para adquirir o correspondente a apenas 58,6% do que a sociologia chama de ração essencial mínima —comida necessária para trabalhar.
No período de entressafra (abril a setembro), quando as usinas paralisam as suas atividades, esse cenário fica ainda pior. A renda cai, em muitos casos, para zero.

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