São Paulo, domingo, 19 de março de 1995
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Dois irmãos revelam contrastes

DO ENVIADO ESPECIAL

São dois irmãos. Ambos Manuel. Um viveu sempre na Paraíba. Outro foi para o Rio. Um se aposentou por invalidez. O outro a cada dia diz adeus à esperança.
O mais novo, Manuel Estevão, 57, proclama-se um felizardo: "A sorte é que saí daqui de Itabaiana e peguei uma febre tifa (febre tifóide) limpando esgoto no Rio".
O mais velho, Manuel Estevão, 60, acha que não tem mais jeito: "Agora vai passar tudo para 65 (a idade máxima para aposentadoria) e eu não aguento até lá".
O Manuel mais velho, que ouviu a história de mudanças da Previdência no rádio, tenta apressar seu pedido de aposentadoria —mas acha que não vai conseguir seu objetivo a tempo.
Em Itabaiana (78 km de João Pessoa, PB), o Sindicato dos Trabalhadores Rurais revela que há dois anos ninguém se aposenta.
O presidente do sindicato, José Paulo da Silva, diz que os cuidados com as fraudes nas aposentadorias rurais acabaram criando exigências burocráticas que dificultam a vida dos trabalhadores.
Às 12h da quinta-feira, 9, na fazenda Santa Helena, o Manuel mais velho dizia invejar a sorte do seu irmão. "Se tivesse ido embora daqui, com o tanto de doença que tive, já estava aposentado".
O Manuel mais novo foi para o Rio com 17 anos. Trabalhava na limpeza de esgotos. Conta que enfrentou todo "tipo de bicho" na lama e contraiu várias doenças.
Entre elas, uma febre tifóide, por volta dos 20 anos. "Caiu até o cabelo e aí dizem que eu fiquei fraco da idéia", narra.
O Manuel mais novo acha que escapou por um milagre, mas hoje tem uma visão diferente do tempo em que descia ao inferno nos esgotos do Rio.
" Foi a minha sorte essa doença. De qualquer jeito ia ter que voltar pra cá mesmo e aqui, já viu, não me aposentava nunca", diz.
Voltou do Rio há cinco anos. Em Itabaiana, ainda pega a enxada para ajudar o irmão na roça de feijão e milho que cultivam este ano.
O Manuel mais velho, que também trabalhou com a sujeira —no serviço de limpeza de Itabaiana— foi outro que pegou " doença feia". Mas não conseguiu a aposentadoria.
"Aqui a vida é muito besta, nada anda pra frente", diz, com os seus 49 anos de trabalho. Lamenta não ter migrado para a cidade grande. Além de dois Manuel, a família tem mais três Marias, um José e uma Vicência.

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