São Paulo, domingo, 19 de março de 1995
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'Homem-gabiru' quer se aposentar aos 49

DO ENVIADO ESPECIAL

A vida do "homem-gabiru", como ficou conhecido o trabalhador rural Amaro João da Silva, 49, mudou para pior nos últimos anos.
Em outubro de 1991, ele ficou conhecido por este nome após reportagem da Folha. Apareceu também, no mês seguinte, como entrevistado das "páginas amarelas" da revista "Veja".
Silva, com 1m35 de altura, transformou-se num símbolo da miséria do Nordeste, vítima do nanismo provocado pela desnutrição.
Gabiru é uma espécie de rato e passou a ter, na linguagem comum, o significado de pessoa de baixa estatura.
A vida de Silva experimentou um flerte com dias melhores nos primeiros meses após as reportagens. Jornais e televisões estrangeiros o procuraram.
Chegaram ao seu casebre, no município de Amaraji (a 89 km de Recife), até o final do ano de 91, uma série de caixas de alimentos e roupas. Eram doações de leitores comovidos e de entidades filantrópicas.
"Todo dia chegava coisa", conta. Os vizinhos de Amaro Silva não entendiam aquele milagre brasileiro e assistiam, com uma ponta de inveja, a chegada dos mantimentos.
Mas a festa acabou cedo e Silva voltou à sua miséria costumeira. O único bem que possuía, um cavalo, a sua mulher, Iraci, vendeu para comprar comida e roupa para alguns dos 13 filhos.
No início deste ano, as coisas ficaram difíceis: perdeu também Iraci, que morreu, aos 39, "do coração". Ele não sabe dizer de qual doença ela morreu.
Sem a mãe, seis dos filhos mais velhos foram embora, tentando fugir da miséria. Um deles, uma menina, já havia saído de casa, há três anos, para trabalhar como doméstica em Recife.
Silva não sabe também ao certo para onde se mandaram os outros filhos. Só sabe que virou "pai e mãe" dos menores, incluindo o caçula, que tem quatro anos.
Com 39 anos de trabalho, o "homem-gabiru" quer se aposentar. Nos últimos anos, devido à idade, trocou o serviço de cortador de cana pelo de vaqueiro de uma usina.
Como ganhou notoriedade devido ao seu estado de indigência, tem promessa dos seus patrões de receber uma ajuda no momento de providenciar documentos para a aposentadoria.
Na manhã de quarta-feira, dividia uma jaca com os seis filhos. Era, pelo menos até as 11h30, a refeição possível do dia.

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