São Paulo, quarta-feira, de dezembro de
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No gabinete do economista

MARCOS AUGUSTO GONÇALVES
EDITOR DE DOMINGO

O pobre homem passou um dia de cão. Não acertou uma. Vendeu na hora errada, se encheu de dólares quando era para se abastecer de ienes, jogou na privatização e deu estatal.
Deprimido, decidiu consultar um especialista. Dirigiu-se ao consultório de um economista renomado, homem de Harvard, com passagem por Yale, aulas no México e estágio em Taiwan.
Depois de uma longa espera na antesala, a secretária fez sinal para que entrasse. Cumprimentou o doutor e começou timidamente.
— "E o mercado, hein, doutor?"
— "Está nervoso, nervosíssimo", diagnosticou imediatamente o economista, auscultando o pregão, a bolsa, o fluxo, as entradas e saídas do paciente. "Quase histérico", ousou, de olho fixo no equilíbrio do enfermo.
— "Culpa de quem?", perguntou o homem.
— "No fundo, do governo", respondeu o doutor na ponta da língua. "E também do México, do capital volátil, da especulação", prosseguiu. "E, claro, não podemos esquecer o mais importante, a crise de confiança".
— "Eu sei de tudo isso doutor. Mas hoje foi demais. O danado estava numa desorientação só. Ia para lá, voltava para cá, rodopiava, fingia que ia para esquerda e saia pela direita, fazia que ia subir e ficava na mesma... Que bicho deu nele hoje, doutor?"'
— "Hoje... foi um boato".
— "O que?"
— "Um boato. O mercado tem pânico de boato. Ele tem características paranóicas, é um caso sério, mas é assim. É preciso estar atentíssimo ao boato".
— "E qual foi o boato de hoje, doutor?"
— "O de hoje foi um gibi do Tio Patinhas. Publicado no Chile".
— "Como?! Um gibi do Tio Patinhas publicado no Chile? Que doença maluca é essa, doutor?!"
— "Explico, meu caro: a paranóia é uma psicopatia caracterizada pelo aparecimento de ambições suspeitas, que se acentuam, evoluindo para delírios persecutórios e de grandeza. Mas, veja bem, sempre estruturados sobre base lógica"...
— "E que diabo de base lógica pode levar um gibi do Tio Patinhas publicado no Chile a deixar o nosso pobrezinho assim tão nervoso, tão incontrolável?"
— "No caso, aconteceu o seguinte: sabemos que o filho da empregada da esposa do excelentíssimo ministro fez um curso de gibi por correspondência".
—"E...?"
— "Ele tem um amigo chileno, filho do jardineiro do excelentíssimo ministro de lá, que escreve —o menino— estórias para o gibi do Patinhas".
— "E...?"
— "Pois bem, no gibi que vai sair hoje no Chile haveria —eu disse ha-ve-ria— uma insinuação de que um ministro de um grande país vizinho iria desvalorizar violentamente a moeda e abandonar o cargo. Caos absoluto".
— "Então foi isso que deixou o coitado assim, histérico?"
— "Sim senhor. É a globalização. Nunca ouviu falar?"
— "Já ouvi, sim. Mas é verdade mesmo? Vai acontecer essa tragédia toda?"
— "Parece que não".
— "Ué, então quem foi o paranóico desgraçado que inventou essa história?"
— "Elementar, meu caro. Foi o mercado".

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