São Paulo, domingo, 19 de março de 1995
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'Catastrofistas' vêem riscos de um novo 29

FERNANDO BARROS E SILVA
ESPECIAL PARA A FOLHA

'Catastrofistas' vêem riscos de um novo 29
Na contramão do que vem pregando o governo Fernando Henrique, que parece jogar suas fixas na aposta de que é possível e viável colar o Brasil na órbita da economia globalizada, os analistas mais céticos acreditam que o quadro de hoje se assemelha muito com aquele que teve como desfecho a crise de 1929.
Taxados ora de nacionalistas, ora de catastrofistas, esses intelectuais, quase sempre simpáticos ao PT ou ao PMDB, fazem uma análise da situação atual que aponta para algo diverso do admirável mundo novo que estaria à espera do Brasil na virada do milênio.
"Esse troço ainda vai pipocar em vários pontos", afirma o cientista político José Luís Fiori, professor titular da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), referindo-se à quebra do México. "Teremos uma espécie de crise de 1929 digerida pela tecnologia informatizada e por um certo tipo de coordenação no limite do abismo. A crise se dará em soluços sucessivos, cada vez mais frequentes e mais próximos do centro do capitalismo. O México já está na bordinha e a Itália talvez pipoque daqui a pouco", diz Fiori.
"As tendências do capitalismo contemporâneo são de caminhar para uma grande crise mesmo. É difícil saber qual é o tempo e o desfecho disso", sustenta Luiz Gonzaga Belluzzo, professor da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas) e um dos formuladores do programa econômico de Orestes Quércia à Presidência.
"A saída otimista para o quadro atual seria uma reforma do sistema financeiro internacional. O desfecho mais desagradável seria uma sucessão de posições nacionalistas defensivas. Os socialistas mais lúcidos já perceberam que é preciso pensar a reestruturação do sistema de Bretton Woods", diz Belluzzo, referindo-se à ordem econômica pactuada nos pós-guerra.
Como Belluzzo, o economista e ex-ministro do Planejamento João Sayad sustenta que, desde o desmanche de Bretton Woods, ocorrido no início dos anos 70, o capitalismo passa a ser cada vez mais um "não-sistema". "A inexistência de uma moeda internacional é um fator mais decisivo que a integração dos mercados para se entender a fantástica instabilidade que ronda a economia mundial", diz Sayad.
Um país como o Brasil, segundo ele, não tem muito raio de manobra. "Nós vamos parar na praia onde as ondas da globalização nos levam. Somos reféns desse mar turbulento", diz Sayad.
Um pouco diferente é a posição de Fiori, para quem a crise do México deveria suscitar uma refexão profunda sobre o caminho a ser seguido pelo Brasil. Isso porque, diz, o México naufragou em função de sua exemplaridade e não por ter sido um aluno relapso em matéria de ajuste estrutural.
"Esses economistas que hoje acusam os erros mexicanos são todos profetas ex-post. Lembro-me de um seminário no Rio em meados de dezembro, quando estavam todos falando mil maravilhas de Salinas, Zedillo e companhia. Faltavam 15 dias para o negócio pipocar. Como é que esse gênios não previram isso?".
A crise mexicana, na avaliação de Fiori, é só a ponta do iceberg. "Essa história já começa mal contada, porque na verdade o ajuste do México começou com Miguel de la Madrid, em 83. O Salinas foi na verdade o 'new looking' da reforma. Não só fez plano de estabilização com âncora cambial, como também as reformas recomendadas, abriu a economia, privatizou mais de mil empresas, etc etc".
Para Fiori, isso "basta para dizer que a credibilidade do México tinha uma taxa altíssima, a autêntica boneca da vitrine. O que está em questão é todo o projeto de ajuste estrutural dos liberais. O Brasil não saiu dele. Vai ser acariciado até entregar o filé mignon. Depois, tchau". (FBS)

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