São Paulo, domingo, 19 de março de 1995
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'Derivativos' trazem risco e promessas de alto lucro

DA REPORTAGEM LOCAL

Os "derivativos" são os produtos por excelência de uma era de alta especulação de capitais em busca de rendimentos. Seu uso foi acelerado na virada dos anos 90.
ASua razão de ser: o mundo desenvolvido enfrentava a maior recessão do pós-guerra e a rentabilidade no mercado americano estacionara por quatro anos. A Europa pagava juros baixos.
Os EUA remuneravam seus investidores comuns —quem compravam um CDB (Certificado de Depósito Bancário), por exemplo— com 3% ao ano, equivalentes a 0,5% da poupança para os brasileiros. Os capitais voaram na direção da Europa e do Terceiro Mundo, onde, havia taxas dez vezes maiores.
Os "derivativos" já existem há pelo menos duas décadas. "Eles surgiram em resposta às necessidades reais dos setores produtivos", diz Paulo Guedes, diretor do Banco Pactual, que gere fundos de capital externo de US$ 800 milhões aplicados no Brasil.
Ele exemplifica: um fabricante de TVs japonesas que busca crédito em dólares para vender produtos à Espanha. O fabricante tem em cada moeda um desafio: precisa se defender da alta de crédito em dólar, da desvalorização da peseta espanhola e do valor do ien.
Estes mecanismos de defesa estavam disponíveis nos mercados futuros e de opções —onde basicamente se aposta dinheiro para garantir um nível de preços de um determinado bem em um prazo definido. No caso, o produtor de TVs japonesas procurou garantir sua rentabilidade atual nas três moedas apostando em quanto poderia se desvalorizar cada uma delas. Aceitando o risco, por exemplo, poderia estar um concorrente americano com dívidas em ienes e dinheiro a receber em pesetas.
Se ambos errassem em tudo, ainda assim acertariam ao reduzir seus riscos.
Mas o mercado financeiro global continuou sofisticando as apostas. Ofereceu instrumentos que permitem trocar taxas de juros fixas —que influem no comportamento das moedas— por outras, móveis e, no meio do caminho, estabeleceu "bandas de variação" das mesmas taxas: acima de um determinado nível de juros o investidor ganha, abaixo perde.
Em complexidade, o céu é o limite para estes contratos.
Este mercado de "derivativos" é estimado entre US$ 12 trilhões e US$ 15 trilhões, o que parece muito dinheiro à primeira vista. Considerado o cacife financeiro de seus usuários, não impressiona tanto. Os fundos de pensão e os fundos mútuos americanos, por exemplo, têm em ativos pelo menos US$ 8 trilhões (20 Brasis).
Apenas seguradoras e fundos de pensão da França, Alemanha, Japão e Inglaterra dispõem de mais US$ 5,7 trilhões (12 Brasis). E ainda faltam muitos dos participantes deste mercado, como os fundos de proteção, que escapam da legislação bancária e que movimentam bilhões.
Procurando a melhor rentabilidade, os "managers" de todos esses fundos são extremamente sensíveis às mudanças que podem afetar o dinheiro, em escala planetária. Têm uma lógica implacável. "Só é atacado especulativamente quem merece", afirma Paulo Guedes, diretor do Banco Pactual.
"São instrumentos novos, abstrações não-regulamentadas, contra os quais não há anticorpos constituídos", opina Daniel Dantas, do Opportunity.
Nestes casos, segundo ele, o mercado sempre corre à frente dos controles. "A regulamentação vem em épocas de crise", conclui Dantas. É o que ocorre agora.
Como os operadores de derivativos agem em nome de uma rede de proteção para enormes quantidade de capitais, "é ingênuo quem acha que se trata simplesmente de um cassino", diz Guedes.
Ele prevê: quando as políticas econômicas forem sadias, com baixos déficits públicos, este capital, sem motivos para continuar especulando, se destinará a investimentos em fábricas e serviços.

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