São Paulo, domingo, 19 de março de 1995
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Privilégio escondido

JANIO DE FREITAS
PRIVILÉGIO ESCONDIDO

Um só artigo do projeto é suficiente para desmoralizar a proposta mandada ao Congresso pelo governo para modificar, na Constituição, as atuais modalidades de aposentadorias e pensões da Previdência. A proposta inclui, marotamente, uma ressalva que concede um privilégio ao próprio ministro da Previdência, Reinhold Stephanes, a outros ministros e seus assessores especiais que acumulem vencimento do cargo e aposentadorias e, dependendo da interpretação, pode beneficiar o presidente Fernando Henrique: a eles a proposta reserva o direito de acumular aposentadorias e os vencimentos que têm no governo.
Até a forma da proposta de emenda constitucional denuncia a má-fé do autofavorecimento. Bem no início da proposta é apresentado o parágrafo que o governo quer acrescentar aos seis do art. 37 da Constituição: "É vedada a percepção simultânea de vencimento de aposentadoria com a remuneração de cargo, emprego ou função pública, ressalvados os cargos mencionados no inciso XVI deste artigo". Os cargos ressalvados neste inciso da Constituição são os de p'ofes R 7 sor e médico.
O governo, portanto, mais do que concordar com as ressalvas já existentes, não tem qualquer outra a lhes acrescentar, quando trata da proibição de acúmulo de aposentadorias e remunerações por cargo público.
Lá no fim, no penúltimo parágrafo da longa proposta de emenda, porém, aparece um texto confuso: "O disposto no art. 37 par.7, em relação aos cargos em comissão declarados em lei de livre nomeação e exoneração, somente entrará em vigor dois anos após a promulgação desta emenda". O par. 7, o tal que o governo quer acrescentar ao atual art. 37, nada diz "em relação aos cargos em comissão". Mas, postas as palavras no seu sentido e as frases na sua ordem, os ministros e seus assessores especiais, por serem os ocupantes dos cargos de livre nomeação e exoneração, são privilegiados com o direito, retirado a todos que não sejam médicos e professores, de continuar recebendo cumulativamente suas aposentadorias e remuneração de cargo público, por mais dois anos depois de promulgada a emenda (o que dará uns três anos).
Por que esta ressalva não foi tratada, como exigiriam a lógica e a técnica legislativa, quando lá na abertura da proposta de emenda foi estabelecida a proibição do acúmulo? Em vez disso, tão disfarçadamente está que, depois do texto privilegiante, só aparece o burocrático "esta emenda entra em vigor na data da sua publicação". E por que o texto confuso? Não há motivo possível senão o de escamotear o privilégio indecente.
O ministro Reinhold Stephanes aposentou-se aos 46 anos. Com 22 anos de serviço público no Paraná.
Em vista só do artigo privilegiante já se entende por que um outro, não menos escandaloso, pretende que as iniciativas de legislação sobre o custeio da Seguridade Social se tornem exclusivas do presidente da República. Se aprovado, e certamente não o será, este segundo artigo cassaria uma atribuição do Congresso. Ao governo já não basta o abuso recordista das autoritárias e arbitrárias Medidas Provisórias.

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