São Paulo, domingo, 19 de março de 1995
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Dono da revista 'Forbes' é contra desvalorização

DANIELA ROCHA
DE NOVA YORK

O presidente e chefe executivo da Forbes Inc. e editor-chefe da "Forbes Magazine", a mais conceituada revista de negócios dos EUA, Malcolm Steve Forbes Jr., visitará o Brasil no próximo dia 21 de março. Motivo principal da viagem: saber como está a economia brasileira.
Segundo Forbes, o Brasil tem tudo para ser líder entre os grandes mercados emergentes "desde que o governo não efetue desvalorizações cambiais".
Também visitarão o Brasil Caspar Weinberger, segundo presidente da "Forbes Magazine", e Christopher Forbes, vice-presidente da Forbes Inc. e responsável pelo departamento de publicidade da "Forbes Magazine".
A seguir, leia trechos da entrevista, concedida na sede da "Forbes Magazine", na última sexta-feira, em que Forbes faz um panorama do que está ocorrendo na América Latina e comenta que este é o momento para o Brasil se desvincular do passado e provar que pode ser uma potência.

Folha - Qual a razão de sua viagem ao Brasil?
Malcolm S. Forbes Jr. - A viagem tem duas finalidades. A primeira é verificar como o Brasil está lidando com sua economia após a crise mexicana. Se o processo de liberalização continuará, e se o país manterá a adoção de medidas que evitem as armadilhas inflacionárias. A segunda razão é tentar gerar negócios para a revista "Forbes" através de companhias brasileiras. Tínhamos seções especiais sobre o Brasil no passado e pretendemos reativá-las no futuro.
Folha - Qual a sua avaliação da política econômica do Brasil?
Forbes - Ficamos um pouco desapontados que o governo brasileiro tenha desvalorizado o real, para evitar um desastre como o que ocorreu com o México. Isso não vai ajudar o país. Vimos o que ocorreu com as Bolsas após o anúncio da desvalorização.
A chave para o Brasil se tornar um dos maiores poderes globais é esquecer a noção de que o dinheiro desvalorizado faz a economia funcionar melhor, provocando um superávit comercial. Mas provoca uma crise interna da atividade econômica, excluindo milhares de pessoas da economia real do país. O desajuste social é refletido na ausência de justiça e moral, é por esta razão que o Rio apresenta índices tão altos de criminalidade.
Folha - O real não mudou esse quadro, na sua opinião?
Forbes - O Brasil progrediu muito desde julho passado e considero que o real trouxe uma expectativa de estabilidade monetária futura. O consumo se expandiu e se verificou uma maior participação das classes média e baixa na economia. As companhias se tornam mais eficientes com a queda das taxas de impostos e mais capacitadas a participar da economia global. As privatizações e abertura para investimento estrangeiro também contribuem para a melhoria da eficiência da economia.
Esta é a maneira correta para se cortar o poder da burocracia de Brasília. Não tentando atacá-la diretamente, mas simplesmente criando forças na economia através de suas empresas e da ampliação da participação dos extratos sociais na economia.
Não há razão para que o Brasil não cresça. O que até o momento impediu isso foi a adoção de políticas governamentais ruins. Mas é hora não é só de entrar no século 20 como de ser líder no século 21.
Folha - Quais as perspectivas de isso ocorrer?
Forbes - As perspectivas são favoráveis se o Brasil puder impedir as pressões para a desvalorização da moeda e a retomada da inflação. O que o Brasil já deveria ter feito é unir forças com Chile e Argentina. A crise do México poderia ter sido evitada com a adoção de uma política monetária.
Folha - O sr. concorda que as economias brasileira, argentina e mexicana são tomadas como similares por pertencerem ao chamado mercado latino?
Forbes - A economia argentina tem uma vantagem sobre a mexicana. O ministro Domingo Cavallo sabe que, se desvalorizar o peso, será o fim da confiança no governo, com consequências econômicas e sociais graves. Ele parece ser o único ministro econômico do mundo que compreende isso. O valor do dinheiro deve ser um só. Infelizmente, a desvalorização do real provocou grande pressão na Argentina, com uma crise bancária grave. Será difícil, a meu ver, que a Argentina evite a desvalorização do peso. O Chile está em ótima forma, mesmo com a "explosão" mexicana.
Considero o Chile a economia latina mais forte atualmente. Neste sentido os investidores estão atentos ao Brasil. Espero que o governo brasileiro resista à tentação da desvalorização. Porque o que ocorre é que ao se desvalorizar uma vez se inicia um processo de pressão para se fazer isso outras vezes. Espero que Fernando Henrique Cardoso use esta oportunidade para mostrar ao mundo que o Brasil é diferente do que se mostrou no passado e que o país está preparado para ser uma potência econômica. Não há motivos para não ser. A França fez isso, o Japão também provou ser capaz, assim como a Coréia do Sul.
Folha - Mas os investidores americanos ainda estão cautelosos em investir no Brasil?
Forbes - Investidores americanos e de outras partes do mundo estão atentos não só ao Brasil mas a todos os mercados emergentes. Todos ficaram cautelosos após a crise mexicana. Então, a saída não está apenas em tentar incentivar a entrada de capitais estrangeiros, e sim em criar uma atmosfera favorável a esses investimentos.
Claro que também é necessário que se acabem com obstáculos burocráticos, mantendo a política de incentivo fiscal que favoreça os investidores e promovendo a participação de toda a sociedade na economia do país.
Folha - Quantas vezes o sr. visitou o Brasil?
Forbes - Apenas quatro. A última vez faz dois anos.
Folha - Desta vez o sr. deve ir apenas a São Paulo?
Forbes - São Paulo e Brasília. Ficarei alguns dias em cada uma das cidades, falando com empresários e políticos.
Folha - Como o sr. compara o Brasil de hoje e de dois anos atrás?
Forbes - O que percebo neste momento é que se inicia uma mudança clara de atitude no Brasil. Por um longo período, os brasileiros acreditavam que o que acontecia no resto do mundo não os afetava. O Brasil era tido como caso único, até pela sua imensidão geográfica. Então, o que acontecia na Argentina, Europa, Ásia, Canadá etc. "não atingia" o país. Acho que agora, com a política de liberalização, se percebe que existem companhias interessadas em competir em um mercado global. O país também percebeu que tem grande potencial de exportação a seus vizinhos. O Brasil está passando a adotar uma mentalidade mais internacionalizada.
Folha - O sr. considera que o Mercosul é um acordo de risco por ser firmado entre países que estão se ajustando economicamente?
Forbes - Não se pode evitar riscos e crises potenciais. O que se faz neste caso é criar forças que diminuam as chances de crises, através da criação de uma economia mais integrada. A Europa, apesar dos seus altos e baixos, tem uma economia infinitamente mais forte após a integração, a Comunidade Européia. Os EUA são mais ricos por pertencerem ao Nafta. Quanto mais integração, mais especialização, com avanços tecnológicos, e maior é a cooperação entre governos. O mesmo deve acontecer com o Brasil. Mesmo o México, que cometeu uma sucessão de erros nas últimas dez semanas, tem a possibilidade de se erguer, porque não está com uma crise tão profunda como a que atravessou na década de 70.
Folha - Com a crise mexicana, o sr. acha que os EUA estão pagando caro pelo Nafta?
Forbes - De forma alguma. O Nafta é um sucesso. As exportações para o México desde o fim dos anos 80 até o ano passado cresceram 300%, estimadas em quase US$ 15 bilhões. Só no ano passado, as exportações dos EUA ao México aumentaram em 20%. As exportações do México aos EUA triplicaram.
O Nafta deveria ter moedas firmemente integradas, para não correr o risco de haver vantagens comerciais para algum dos países. A desvalorização do peso forçou os governos dos EUA e do México a acertarem um acordo para equilibrar a situação. A crise mexicana foi tão séria que provocou a quebra da confiança na moeda, com êxito de capital, destruição do mercado interno, falência de milhares de empresas, descontrole do sistema bancário. Isso é loucura, não é Nafta. Daí a urgência do ajuste.
Folha - A crise econômica do México foi provocada por sua crise política?
Forbes - As duas coisas caminham juntas. Existe uma crise política porque a política econômica do governo é absolutamente incompetente. É como um médico que trata pneumonia receitando a aplicação de gelo no paciente. Claro que ele irá piorar a situação. Daí a dificuldade de o México reconquistar a confiança. Politicamente, o governo mexicano se mostrou inábil para lidar com o problema. Principalmente porque a primeira medida adotada por ele foi a desvalorização da moeda, que desencadeou todo o processo.
Folha - A economia brasileira provou ser um caso à parte na América Latina?
Forbes - A curto prazo, é impossível não relacionar o Brasil ao México. Mas em alguns meses, acredito, os investidores acordam para a oportunidade que o país oferece. Se o Brasil continuar com sua política de incentivo ao investidor, e, repito, se não promover nova desvalorização, ele tem tudo para recobrar a confiança dos investidores.

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