São Paulo, domingo, 19 de março de 1995
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A velhice precoce do governo

OSIRIS LOPES FILHO

O embalo que todos esperavam ocorrer revelou-se pífio, tomado pelo imobilismo
Há um fato inequívoco nos dias atuais. O governo do presidente Fernando Henrique está submetido a um processo de envelhecimento precoce. Talvez seja o fenômeno da reversão das expectativas.
Eleito por cerca de 34 milhões de votos, logo no primeiro turno, conseguindo empunhar a bandeira da mudança e da ação —"Mãos à obra, Brasil" foi o título do seu programa de governo, a identificação que buscou com um presidente realizador como Juscelino, tudo isso alicerçado pelo "Plano Real"—, acendeu a esperança na população de que o país iria mudar para melhor no seu governo.
Efetivamente, a sua gestão no Ministério da Fazenda tinha sido de êxitos. Conseguiu reverter o processo inflacionário e possibilitou uma época de otimismo no país, há uma década enterrado em cava depressão. Levas de brasileiros buscavam, no exterior, as oportunidades que aqui não tinham. País de imigração, Eldorado do início do século 20, local de esperanças para os imigrantes, a década de 80 viu-o ser transformado num fornecedor de mão-de-obra para o estrangeiro.
Fernando Henrique produziu o prodígio de construir o Presidente de então, que saiu coberto de glórias, e elegeu-se como seu sucessor, fato ímpar na nossa história. Fez dois Presidentes. O embalo que todos pensavam fosse ocorrer, pois a sua equipe já vinha afiada, e, portanto, vindo quente para prosseguir na sua trajetória vitoriosa, revelou-se pífio, consumido por imobilismo e adoção de uma política neoliberal predatória, em detrimento dos compromissos sociais democratas, outrora assumidos. A promessa social transformou-se em festim paleoliberal.
A abertura às importações, saudada como instrumento de elevação do nível de qualidade da nossa indústria, por forçar a competição e por constituir forma de aumentar a oferta agregada interna de bens, revelou-se um fracasso, pois tornou o país um importador líquido, revertendo a obtenção de saldos de exportação crescentes na balança comercial. A situação está tão grave que um dado estatístico que, por mais de uma década, tinha se tornado rotineiramente aberto, sem mistérios —o saldo da balança comercial—, agora se mostra segredo de Estado, dado estratégico, que atemoriza a burocracia com degola das cabeças responsáveis por ocorrência de vazamentos antecipados.
Em breve, não se deve estranhar caso o dado relativo ao saldo comercial venha a ser depositado em um cofre. É que a sua divulgação na data marcada e tradicional poderá gerar crises nacionais, em face do déficit não-estancado. Abriu-se a caixa de Pandora, as serpentes saíram e não mais voltarão.
A questão cambial, com a adoção das bandas, provocou uma ruinosa demonstração de incompetência das autoridades cambiais, acarretando perda substancial das nossas reservas de divisas. Divulgou-se, no mínimo, atabalhoadamente a nova disciplina em convite indisfarçável à especulação cambial.
Está se revelando a deficiência de sempre. O governo é incapaz de administrar. De utilizar os instrumentos de gestão a seu dispor e pôr a sua máquina para funcionar.
O que ele tem conseguido fazer é tentar produzir normas. É uma equipe normativa e normativista. Forte concorrente do Legislativo, esmera-se em produzir regras para onírica e milagrosamente alterar a realidade do país, cumprindo à risca o receituário dos países centrais e dos organismos estrangeiros.
O quadro atual evidencia uma cronologia desfocada de política econômica, retrógrada, atrasada no mínimo um século ao voltar ao modelo de Estado neutro, mero espectador do jogo das forças econômicas.
O envelhecimento antecipado e acelerado do governo está a indicar que mais importante do que buscar um coordenador político competente será a nomeação de um gerontologista para cuidar da velhice governamental prematura.

OSIRIS DE AZEVEDO LOPES FILHO, 55, advogado, é professor de Direito Tributário e Financeiro da Universidade de Brasília e ex-secretário da Receita Federal.

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