São Paulo, domingo, 19 de março de 1995
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Previdência: mudar a rota do Titanic

ANTONIO KANDIR

Sistemas previdenciários são como transatlânticos: identificado obstáculo intransponível à frente, é preciso mudar-lhes a rota com grande antecipação, pois seus movimentos são lentos e é enorme a força da inércia.
Quanto ao nosso sistema previdenciário, são muitos os sinais de alerta que piscam no painel de comando. Dois deles merecem destaque: a explosão das despesas a partir de 1988, fruto da expansão de benefícios, sem a necessária cobertura financeira, e o progressivo estreitamento da relação entre beneficiários e contribuintes do sistema nas últimas décadas.
De fato, passamos de uma relação de 1 beneficiário para 5 contribuintes, no início dos anos 60, para uma relação de 2/1, nos anos 90, e caminhamos celeremente para a "paridade", ainda nas primeiras décadas do século 21.
Afora concessões populistas e privilégios corporativos, conquistados à força de pressão política, os números espelham uma transição demográfica excepcionalmente veloz.
Dos anos 60 para cá, a taxa de natalidade no Brasil reduziu-se de modo acentuado, ao mesmo tempo em que, felizmente, a expectativa de vida dos brasileiros alongou-se também de modo importante.
A velocidade desse processo deriva da rápida transformação do país de sociedade predominantemente rural em sociedade urbano-industrial.
Trata-se de um processo que deverá acentuar-se quanto mais avançarmos, como podemos e devemos avançar, em direção a níveis mais elevados de bem-estar social.
Acresce que o processo de "envelhecimento" da população coincide com mudanças tecnológicas que afetam fortemente a taxa de ocupação na economia, visto que reduzem a necessidade de mão-de-obra e "precarizam" as relações de emprego. O impacto dessas mudanças sobre a previdência será crescente.
Nos últimos anos a Previdência tem navegado em equilíbrio instável, achatando os benefícios e socorrendo-se do Tesouro Nacional para cobrir seus déficits de caixa. O equilíbrio instável, que é fator inflacionário e parte do nosso mal-estar social, é, porém, insustentável, ainda que se quisesse mantê-lo, em virtude das mudanças demográficas mencionadas.
A tendência deficitária da Pprevidência Social aponta para déficits potenciais gigantescos nas próximas décadas. Não basta assim melhorar a condução do navio, como já se vem fazendo desde a primeira gestão do ministro Stephanes: chegou a hora de fazer a correção de rota.
Felizmente a oportunidade para tanto está colocada. É uma oportunidade que foi sendo politicamente construída nos últimos quatro ou cinco anos, e que se concretiza agora, graças à eleição do presidente Fernando Henrique, com o envio do conjunto de emendas constitucionais ao capítulo previdenciário.
As questões que teremos de enfrentar —sobretudo o fim da aposentadoria por tempo de serviço— não são questões que gerem dividendos políticos fáceis. Chegou, porém, a hora de enfrentá-las. Não para desmantelar a previdência, como sugerem enganosamente alguns (como se desmantelada ela já não estivesse). Mas sim para construir um sistema financeiramente viável, que não abrigue privilégios e distorções enormes, que seja adequado à melhoria continuada das condições de vida.
Estamos em situação semelhante à da tripulação de um transatlântico que se vê em rota de colisão com um "iceberg" localizado milhas à frente: ou agimos agora, com a necessária firmeza e lucidez, ou corremos enorme risco de naufragar no futuro, colhendo tempestades no meio do caminho.
Se a manobra for feita com competência, não apenas desviaremos do "iceberg", mas também encontraremos mares mais tranquilos, onde será possível navegar sem tanto mal-estar a bordo.

Texto Anterior: Restrição ao fumo; Entrega da DCTF; Aposentadoria por invalidez; Deficiente físico; Garimpeiros; Visto do juiz do balanço
Próximo Texto: O SOBE E DESCE
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.