São Paulo, domingo, 19 de março de 1995
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Inocentes e canibais

LUÍS NASSIF

Os tiros disparados esta semana contra o presidente do Banco Central, Pérsio Arida, foram consequência de uma típica disputa entre dois lobbies financeiros —o de São Paulo e o do Rio— em torno das expectativas de comando no Banco Central.
Desde a crise cambial estava claro que o BC era pequeno demais para Arida e para o diretor da área internacional, Gustavo Franco. Na primeira oportunidade, um dos dois teria de sair. Na segunda, talvez o outro.
Arida tem ligações com São Paulo; Franco, com o Rio. Ambos têm méritos acadêmicos e experiência insuficiente para o cargo que ocupam. Mas têm em comum o fato de jamais terem se metido em operações nebulosas —ao contrário de tantos economistas que passaram pelo governo.
Arida foi dos poucos economistas do Cruzado que se recusou a se tornar banqueiro. Tinha convite para ser sócio do BBA, recusou e assumiu um emprego assalariado, a léguas de distância do sistema de informações do governo. E foi o seu talento que permitiu a tantos colegas se arvorar em pais, tios e primos do Cruzado e, a partir daí, se lançar em suas aventuras financeiras ou político-acadêmicas.
De Franco, também nunca se soube nada que nem de longe arranhasse sua reputação.

Consequências
Mas há tempos o BC estava no alvo de mira do mercado, depois dos lucros extravagantes obtidos no ano passado por instituições paulistas operadas pela "nova classe" dos economistas-financistas.
Dentro desse universo explosivo, Arida comportava-se com a candura de um cientista avoado. Primeiro, convidou Cândido Bracher para uma superdiretoria do BC. Bracher é economista preparado, sério, conhecedor de mercado e amigo de longa data de Arida. Mas é sócio e diretor do BBA —banco que lucrou muito no ano passado.
Se Arida estivesse a fim de "operar" o mercado, a última coisa que faria seria convidar Bracher. Mas é evidente que a leitura do mercado seria outra.
Cometido o primeiro erro, o resto foi consequência.
O tiroteio desta semana teve como pano de fundo este cenário. No início da semana surgiu a informação de que, entre os dois, Franco fora o escolhido para o sacrifício de sair do BC.
Na quinta-feira, a Agência "Dinheiro Vivo" confirmou a informação com fontes ligadas ao sistema de poder do governo. Julgava-se no governo —erroneamente, na opinião do colunista— que sua saída seria menos traumática para o mercado do que a de Arida. Depois dos problemas da semana retrasada, quem acompanha o mercado sabe que a âncora do câmbio passou a ser Franco.

Contra-ataque
Quando a informação foi divulgada, veio o contra-ataque —provavelmente partindo de setores financeiros cariocas e de fontes da Fazenda. Divulgou-se a existência de um presumível dossiê sobre ligações perigosas entre Arida e Bracher, que seria divulgado em reportagem de revista semanal. A "prova", segundo os boatos, seria a informação —divulgada pela coluna de domingo passado— de que Arida passara o carnaval na fazenda dos Bracher. Má-fé evidente, já que, se estivesse a fim de "operar" com os Bracher, a última coisa que Arida faria seria passear em sua fazenda.
Mas a lógica do tiroteio era simples. Se Arida corria o risco de ser baleado pela reportagem, então ele é quem deveria sair do BC, não Franco.
De qualquer modo, o episódio encerra lições fundamentais para o governo Fernando Henrique Cardoso. Alerta-o para a necessidade premente de tratar da maneira mais rigorosa possível as relações entre área econômica e mercado. Não basta ser sério —como são Arida e Franco. Tem que parecer sério.
Reforça a necessidade de evitar qualquer contato do governo com a "nova classe" —dos economistas que se tornaram operadores de mercado, ou profissionais da privatização.
Os tiros disparados na semana passada atingiram, até segunda prova, o silêncio dos inocentes. Mas há um enorme inventário a ser levantado, sobre o apetite dos canibais.

Levantamentos
Faria bem o governo em levantar quem operou com câmbio na sexta anterior ao anúncio. Quanto muito, para saber com quem está tratando.

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