São Paulo, domingo, 19 de março de 1995
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Alcoolismo precoce

Os números sobre o alcoolismo entre jovens que esta Folha publica hoje servem de grave alerta para as autoridades sanitárias brasileiras. Parece inacreditável, mas, segundo pesquisa realizada entre estudantes da rede estadual de primeiro e de segundo graus da cidade de São Paulo pelo Cebrid (Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas Psicotrópicas), 70,4% dos jovens começam a beber entre os 10 e os 12 anos de idade.
Mais preocupante ainda, esse número vem crescendo. Em 1987, há oito anos, portanto, era de 64,2%. Para se ter um termo de comparação, nos EUA, um país que não esconde sua vocação para a dipsomania, essa cifra é de 50,2%, 20 pontos percentuais a menos, vale frisar.
É evidente que nem todos os jovens que começam a beber entre os 10 e os 12 anos se tornarão fatalmente alcoólatras, mas uma boa parte deles —calcula-se que 10% da população brasileira— conhecerá a trágica experiência de ser dependente do álcool.
Algumas particularidades da vida nacional tendem a agravar o problema. Em primeiro lugar, aos olhos das autoridades o alcoolismo juvenil provavelmente inexiste, afinal, como se sabe, é poibido vender bebidas alcoólicas a menores de 18 anos, não havendo, ao menos em teoria, portanto, a possibilidade de jovens entre 10 e 12 anos estarem se alcoolizando.
Outro ponto que causa estranhamento é o preço terrivelmente baixo das bebidas alcoólicas. Enquanto em países mais civilizados se taxa pesadamente o vício de beber numa tentativa de diminuir o consumo e, ao mesmo tempo, angariar recursos para o tratamento dos viciados e para as campanhas de prevenção, no Brasil pode-se obter uma boa dose de cachaça por algumas dezenas de centavos de real.
Mais grave ainda, em alguns dos piores bolsões de pobreza do país a cachaça é uma das fontes de caloria mais baratas que existem, e há casos de mães que tentam aplacar a fome de seus filhos adicionando pinga à mamadeira.
Constata-se ainda no Brasil um outro fenômeno bastante perverso. Um falso moralismo que procura por todos os meios afastar os jovens de drogas através de fortes campanhas acaba levando as pessoas a crer que álcool, por ser legalizado, é seguro. Ledo engano.
E não é necessário se alongar muito sobre os prejuízos que o hábito de beber causa ao país. O número de homicídios associados à embriaguez é significativo, assim como o são as cifras de acidentes automobilísticos, acidentes do trabalho e internações psiquiátricas.
Acordar para o problema é um imperativo. Traçar uma política séria e consistente de prevenção de abuso de drogas que não seja hipócrita é urgente. A alternativa é entrar no próximo milênio ostentando o título de país dos beberrões.

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