São Paulo, domingo, 19 de março de 1995
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Ciranda, cirandinha

CLÓVIS ROSSI

SÃO PAULO — Era uma vez uma equipe econômica que se excitava sem parar com a cornucópia de dinheiro que entrava no seu distante país. Havia até, entre seus integrantes, um jovem gênio que dizia, com irrestrito orgulho: "Se a gente não brecar um pouco a entrada desse dinheiro, o dólar vai acabar valendo R$ 0,50".
Era tanta a confiança na nova força econômica do país distante que se supunha que, no ano de 1995, ingressaria uma pilha de dinheiro equivalente a uns 6% do PIB (o Produto Interno Bruto, medida da renda do país). Algo em torno de 25 bilhões de dólares, que é como se chama o totem dos tempos modernos.
Era uma vez também o tempo em que um candidato a rei do país distante se orgulhava de dizer aos seus futuros súditos como era forte a moeda que ele criara. Valia até mais do que o tal de dólar, objeto de universal adoração.
E o gentio, excitado, agitava nas mãos como se fossem bandeiras da felicidade as notas da nova moeda, apropriadamente batizada de real.
Parece que foi séculos atrás, não é? Hoje, o tal de real ainda vale, nominalmente, mais do que o dólar, mas ninguém mais se orgulha disso.
Ao contrário, a grande aposta que se faz nos mercados —outra das divindades dos tempos que correm— é na contínua queda do real, até que empate com o dólar e, logo, seja por ele ultrapassado, como sempre o foi desde que se chamava cruzeiro, cruzeiro novo, cruzado, cruzado novo, cruzeiro de novo e era mais gordo de zeros, uma infinidade deles.
E a cornucópia de mel verde que seria eternamente derramada sobre o distante país da nossa historinha? Inverteu o sentido: em vez de procurar os verdes campos do país distante, deus dólar foge assustado, como se quisesse castigar a empáfia de sua corte cheia de certezas absolutas e previsões róseas.
O encanto se desmancha aos poucos, como se o país distante estivesse condenado a ser personagem eterno da ciranda, cirandinha, do real que tu me destes era vidro e se quebrou. Se for assim, o amor que te deram vai ser pouco e se acabar.

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