São Paulo, segunda-feira, 27 de março de 1995
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Papa recebe freira sequestrada

JOSÉ MASCHIO
DA AGÊNCIA FOLHA, EM LONDRINA

Papa recebe freira sequestrada
A freira brasileira Hildegard Jacoby, 39, que passou 56 dias em poder dos guerrilheiros da RUS (Frente Unida Revolucionária), grupo rebelde de Serra Leoa (país, de língua inglesa, localizado no noroeste da África), vai ser recebida hoje em audiência pelo papa João Paulo 2º.
Ela e mais seis freiras italianas, da ordem Missionárias de Maria (Xaverianas), foram sequestradas pelos guerrilheiros em 25 de janeiro e libertadas no último dia 21.
Depois da audiência com o papa, elas serão internadas em um hospital especializado em doenças tropicais, em Verona (Itália).
Caso não tenha contraído nenhuma doença tropical, Hildegard deverá retornar ao Brasil ainda este mês para visitar seus pais que moram em Teixeira Soares (sul do Paraná).
Ontem, na sede mundial das Missionárias de Maria, em Parma (Itália), Hildegard Jacoby falou com exclusividade à Agência Folha. A seguir os principais trechos da entrevista, na qual ela conta como foram os dias de cativeiro:

Folha- Como aconteceu o sequestro das senhoras pelos rebeldes de Serra Leoa?
Hildegard Jacoby - Desde novembro do ano passado existiam boatos sobre o avanço dos guerrilheiros. Mas nós não esperávamos que eles chegassem tão rápido.
Eu estava em uma escola, em uma vila próxima a Kândia (norte de Serra Leoa) com a irmã Adriana, quando ouvi passos fortes na porta da escola e vi que eram homens vestidos de militares, mas com chapéus comuns.
Falei para Adriana: 'São eles, eles chegaram'. Fomos levadas até nossa casa, onde as outras cinco irmãs já estavam prisioneiras.
Folha- Não houve possibilidade de fuga?
Jacoby - Não. Foi tudo muito rápido. Eles nos levaram da vila até Kândia, destruíram o prédio da polícia local e pegaram o radioamador.
Tivemos que caminhar seis dias e meio por roças, picadas de matas, rios e pântanos. Foram 200 quilômetros até chegar ao acampamento, na região de Makeni (150 km a norte de Freetown). Eram longas filas de prisioneiros, um verdadeiro formigueiro humano.
Folha- Quais foram os momentos de maior tensão?
Jacoby - Foram dois momentos em que pensamos que íamos morrer. O primeiro foi durante a marcha, no dia 29 de janeiro. Estávamos passando por uma vila que estava sendo atacada pelo governo.
Existiam três guerrilheiros agonizantes. Eles ficaram muito nervosos e nos levavam de um lado para o outro em meio a tiros. Depois nos obrigaram a nos esconder na floresta.
Pensávamos que íamos ser executadas, mas na floresta existiam outros presos. Dois dias depois chegamos ao acampamento
Folha- E o outro momento...
Jacoby - Foi em 24 de fevereiro. O acampamento em que estávamos prisioneiras foi atacado pelo governo. Foi um ataque aéreo e terrestre.
Quando tudo se acalmou os guerrilheiros nos revistaram. Perdemos a liberdade de andar nas proximidades da nossa casa, um barraco de folhas de zinco.
Os outros prisioneiros nos culpavam pelo ataque. Foi um momento tenso, de luta de negro contra branco.
Eles pensavam que teríamos encontrado um meio de ter avisado o Exército do governo, mas depois passou, graças a Deus.
Folha- Como as senhoras foram tratadas?
Jacoby - Nós fomos respeitadas como religiosas e como mulheres. No dia 2 de fevereiro fomos colocadas para conversar, por radioamador, com o líder guerrilheiro.
Ele disse que nós não havíamos sido sequestradas, mas libertadas. Ele afirmou que, depois do ataque rebelde a Kândia, nós fomos levadas para não sermos mortas pelo governo.
Folha- Como foram esses 56 dias no acampamento?
Jacoby - Foram terríveis. Nesta época há escassez de água em Serra Leoa, tínhamos apenas 20 litros de água para todas as nossas necessidades. Estávamos com apenas uma muda de roupa.
Comíamos apenas uma refeição por dia à base de arroz, raramente tinha mandioca. Mas notamos que esse também era o alimento dos guerrilheiros e dos prisioneiros.
Folha- Como aconteceu a libertação?
Jacoby - Um dos líderes nos comunicou que estaríamos livres em breve. Pediu que exigíssemos dos governos ocidentais que não vendessem mais armas para Serra Leoa. Ele falou: 'Olha, nós usamos armas, mas são seus governos que as vendem'. Depois tivemos que caminhar durante toda uma noite até um ponto em que apareceu um carro com o bispo de Makani (Giorgio de Beguggi).

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