São Paulo, segunda-feira, 27 de março de 1995
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Interlagos também tem seus hooligans

Repórter-fiscal vira 'smurf' no circuito

RODRIGO BERTOLOTTO
DA REPORTAGEM LOCAL

O humor negro esteve à solta no setor G do circuito de Interlagos no Grande Prêmio do Brasil, ontem.
Antes da prova, durante o passeio dos pilotos em um caminhão, a geral gritou em coro o nome de Senna e Rubinho. No meio podia-se ouvir o ameaçador hino "U! Vai morrer. U! Vai morrer".
O público que pagou R$ 80 e tinha a pior vista do autódromo foi o pano de fundo do posto 5 dos fiscais de pistas onde estava este repórter, localizado bem no final da reta oposta.
Os pilotos, indiferentes ao gritos, agitavam as bandeiras do Brasil distribuídas para cada um, ensaiando até um batuque com o mastro contra a carroceria do caminhão que os levava.
O setor G continuou sua festa mirando um novo alvo: as mulheres que chegavam para assistir o GP.
Um desprevenido casal sentou-se próximo à grade e foi prontamente molhado com copos de água e urina.
A reação irada da garota, mostrando o dedo médio em riste, atiçou ainda mais a animada platéia —um dos motivos da empolgação podia ser visto no chão próximo ao setor: um tapete de copos descartáveis e latas de cerveja.
No mais legítimo estilo hooligan, a maioria masculina endereçou para ela gritos de "piranha" e "vagabunda".
O acompanhante da moça tomou as dores dela e pedia que os agressores se aproximassem para um honesto embate.
A coragem do rapaz foi respondida com um cântico que duvidava de sua masculinidade.
Esperando superar a situação, o casal sentou-se novamente.
Mas não houve jeito: foram crivados pelos mais diferentes objetos.
A loirinha não suportando mais o inconveniente chamou os policiais militares, que subiram com ela até o epicentro do alvoroço. Ela apontou dois rapazes que foram devidamente levados pelos PMs.
A prova não começava e o público escolheu uma nova diversão: roubar a bandeira de um despercebido torcedor da escuderia italiana Ferrari.
O tumulto se formou até que o ferrarista prometeu não agitar a bandeira durante a prova.
A pista também sofreu com o êxtase dos espectadores. Papel picado e até bolas de gás foram lançados rumo ao asfalto, proporcionando uma atividade a mais para os fiscais.
Aproximou-se a largada e a equipe de fiscais de pista (sinalizadores, equipe de resgate, bombeiros e enfermeiros) ficou de prontidão para a volta de fiscalização do diretor de prova.
Alinhado, esperando verificação, com macacão azul e gorros brancos na cabeça, o pessoal do resgate recebeu do público o apelido de "smurfs", duendes personagens de desenho animado.
O repórter-fiscal passou ainda por maus momentos quando houve um vazamento de combustível no seu Verona de resgate, depois solucionado.
Passaram os carros com o Mihaly Hidasi, o diretor da prova, e depois o "doctor car" com Sid Watkins, médico chefe da Federação Internacional de Automobilismo.
A pista foi fechada, a prova começou e o público se acalmou com o tão esperado barulho.
As notícias da pista chegavam pelo rádio do carro.
A ruidosa tranquilidade do carro de resgate foi interrompida pelos gritos saídos do rádio.
"Laranjinha pegando fogo", disse o aviso do princípio de incêndio a Arrows de Taki Inoue.
O controle da torre passou as ordens aos agentes nesse tipo de situação.
Lá do alto, o controlador gritava "vai, vai, vai", quando a pista estava livre, e "fica esperto", quando surgia um carro no setor do acidente.
Prova terminada, público voltando para sua tarde de domingo, era a hora de rebocar os carros que ficaram no meio do caminho.
Pela contabilidade da organização estancaram três no S do Senna, um na Descida do Lago e três na curva do Laranjinha.
A Tyrrell do japonês Ukyo Katayama ficou por conta da equipe da qual eu fazia parte.
Antes de voltar aos boxes, o carro serviu de cenário para fotos dos enfermeiros e sinalizadores.
Dentro do cockpit do japonês, os trabalhadores voluntários do GP Brasil faziam cara de piloto para suas câmeras.

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