São Paulo, segunda-feira, 27 de março de 1995
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Entre balas e açúcar

A imagem da polícia brasileira, em seus vários segmentos, não é exatamente das mais brilhantes. Mas é uma perigosa ilusão acreditar que possa melhorar por servir café com açúcar a manifestantes antigovernamentais, como ocorreu na semana passada em Brasília.
Apesar do esforço por parte do governo do Distrito Federal em caracterizar o benefício como um simples empréstimo —procurando livrar-se da evidente contradição de estar usando dinheiro público para financiar protestos políticos-, o empenho da Polícia Militar de Brasília foi muito além do que seria necessário para simplesmente garantir uma manifestação pacífica.
O chefe do Estado-Maior da PM, Jair Tedeschi, considera que a corporação melhora sua imagem ajudando movimentos populares. Os manifestantes concordaram ao cantar:"Os policiais vieram para nos ajudar/Pois eles morrem de fome e têm filhos para criar".
É até possível que, na manifestação, os policiais tenham agido, embora em serviço, como simples funcionários públicos, preocupados com a reforma da Previdência e os salários baixos. Em vez de reprimir, endossavam a manifestação.
Se foi assim, há um segundo problema, além do uso de dinheiro público para ajudar uma manifestação particular. Não cabe a agentes da lei, que, ao menos em tese, monopolizam o direito de usar a força, decidir que manifestação devem apoiar e qual reprimir.
Já em São Paulo, a PM comete o exagero oposto. Nos dois primeiros meses deste ano, 136 pessoas foram executadas por ela, revelando um recrudescimento da violência.
À primeira vista contraditórios, a polícia que mata e o funcionário público supostamente faminto podem ser dois lados da mesma moeda. Com salários baixos, mal-equipada e mal-treinada, embora submetida a um risco constante, a PM perde sua dignidade e resvala para extremos, ambos inaceitáveis: o da bala ou o do café com açúcar.

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