São Paulo, segunda-feira, 27 de março de 1995
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O estadista do Jaguaribe

MARCELO BERABA

SÃO PAULO — É indiscutível que há um quê de Collor no comportamento de FHC.
A foto em São João do Jaguaribe (CE) —dedo em riste, músculos contraídos, o grito incontido— e o discurso carregado de chavões evocam imediatamente a estudada indignação que Collor se utilizava para rotular, discriminar e espezinhar a oposição.
Aos poucos, o novo presidente vai se confundindo com o passado. O gesto ostensivamente viril de sexta-feira no sertão do Ceará remete para o Collor da campanha de 89, em Niterói, e para o Quércia dos outdoors de 94.
Os discursos também se assemelham, demagógicos, adjetivados, genéricos. Os inimigos, nunca claramente identificados, são os de sempre, fantasmas sem rostos: os "gatos pingados", os "bobos", as "pouquinhas (pessoas)" que perturbam a "maioria esmagadora que apóia o governo", os "impostores", a "vanguarda do atraso", os "exploradores de sempre", a "minoria privilegiada", a "falsa esquerda" que se aliou a especuladores da Bolsa, a "velha direita carcomida".
E aí, mais uma vez, passado e presente inesperadamente se confundem. Lá está Collor gravemente ofendido, não discernindo entre a direita que promete deixar indignada e a esquerda fadada a ficar perplexa.
Nenhum deles, nos instantes de cólera, consegue esconder o desconforto dos que estão acuados. São incapazes de reconhecer os próprios erros e de conviver com as inevitáveis divergências. Passam a denunciar complôs das "minorias" contra o governo.
O governo imaginou, em algum momento de delírio, que governaria com o consenso. Chegou a ter cacife —acumulado com a estabilidade da moeda, a vitória no primeiro turno e a imagem de estadista que contrastava com a de Collor e a de Itamar— para impor ao país não apenas novos usos e costumes, mas reformas profundas.
Mas não está conseguindo. Talvez por inexperiência, talvez por excesso de arrogância, talvez por um tanto de incompetência. Os problemas surgiram —e fatalmente surgiriam— e este governo que parecia sereno, civilizado, sorbonnizado, perdeu a compostura.
Não parece suficientemente maduro para gerenciar as tensões e resistências que estão brotando. Aliás, várias delas criadas por ele próprio.

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