São Paulo, segunda-feira, 3 de abril de 1995
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

O sublime em ação

RUBENS RODRIGUES TORRES FILHO

O sublime em ação
O Sublime Romântico
Thomas Weiskel
Tradução: Patrícia Flores da Cunha
Imago, 307 págs.
R$ 23,14

Se Kant, na opinião de Thomas Weiskel, é tão essencial para o estudo do sublime quanto Aristóteles para o da tragédia, é sobretudo por ter notado, com golpe de vista certeiro, que o sentimento do sublime não é um estado de ânimo mas um movimento: uma passagem da humilhação (o colapso da imaginação) à exaltação (o auto-reconhecimento da razão). Não é à toa que Fichte indica, de maneira sibilina, num parêntese dentro de um parêntese, a posição central do sublime no corpo da doutrina-da-ciência, como suspensão daquela alternância entre determinação e indeterminação que está na origem da própria temporalidade, hiato que se estabelece entre a exigência da apreensão ("Auffassen") e a impossibilidade da compreensão ("Zusammenfassen"): sua marca fenomenológica é o assombro.
Weiskel, que se autodefine como um "estruturalista reticente", sempre em guarda contra a "tendência estruturalista de confundir uma heurística preliminar com uma dedução", toma essa observação como ponto de partida para sugerir uma "estrutura" da transcendência romântica, que se revelaria trifásica: 1) uma relação linear, habitual, do espírito com o objeto, onde o desequilíbrio incipiente é apenas sinalizado pelo tédio; 2) a ruptura dessa relação pelo excesso de um dos dois lados, tendo como "correlato emocional" a surpresa ou o assombro; 3) o equilíbrio recobrado numa relação nova, de caráter "meta", em que a própria indeterminação da "fase dois" se torna simbolizadora de uma ordem transcendente. É a passagem bem sucedida através dessas três fases que irá merecer o nome de "sublimação".
A referência ao contexto freudiano, que de resto não vai muito além do "Vocabulário" de Laplanche e Pontalis, tem também no caso, um valor estritamente funcional. Buscar na psicanálise a chave do sublime seria incorrer na tentação "genética" explicitamente recusada como vício metodológico. Assim como Kant só é utilizável como guia se for devidamente "desidealizado" (se lhe for negada a hipótese do "substrato supra-sensível"), poderíamos dizer que Freud só interessa a Weiskel se "despsicanalizado". O desafio será manter a estrutura e a economia do sublime no rigor de sua generalidade semiótica: "Do ponto de vista estrutural, o conteúdo do mundo invisivel é matéria indiferente. (...) Como estrutura, o sublime se adapta a muitas teologias e está especialmente à vontade com a moderna teologia do inconsciente" (pág. 72).
Por isso, quando se trata de investigar como é vivida a experiência do sublime, de detectar, portanto, quais energias psíquicas entram em jogo para pôr em movimento essa estrutura, é preciso renunciar à hipótese ("óbvia demais, superficial demais") de que ela mascara o complexo de Édipo (angústia da castração, identificação com o super-ego) e predispor-se a uma leitura de Burke, "tão crítica quanto ele nos incita a fazê-lo" (pág. 135), em seu texto como em seus lapsos, e aí aprender a discernir -de maneira decisiva para todo o "ethos" romântico- a originalidade de uma "lógica do terror" (cap. 4).
Assim funciona, fiel à exigência de radicalidade que o inspira, o empreendimento crítico de Thomas Weiskel, em seu livro "O sublime Romântico: Estudos sobre a Estrutura e a Psicologia da Transcendência". Tomando no seu rigor máximo esse qualificativo de "crítico", com o significado de não-ancoramento em nenhuma perspectiva teórica fixa e soberana e de uma permanente predisposição para subvertê-las sempre que necessário, o que ele está propondo, em lugar de um rotineiro desempenho acadêmico, é um raro exercício de imaginação e reflexão. O leitor que não se impaciente com essa aparência de indisciplina perceberá logo: o livro, ao contrário do que sugere o plural do subtítulo, não é um conjunto de ensaios gravitando em torno de um mesmo tema, mas o aprofundamento, cauteloso e obstinado, de uma questão única.
Reduzido às proporções de uma tese, esse estudo poderia chamar-se "O Papel do Sublime na Obra Poética de Wordsworth". O que no entanto lhe confere personalidade própria e o destaca do universo cinzento da literatura da erudição é que, em lugar de construir um modelo explicativo antecipado e aplicá-lo a seu objeto, parte apenas de um questionamento, incessantemente renovado, que conduz a esquemas teóricos sempre tênues e provisórios, e cuja elaboração o poeta mesmo é um permanente interlocutor.
Quando, finalmente, no último capítulo, nos vemos aptos a ler Wordsworth com propriedade e aprendemos com ele que o sublime e seu terror não estão na obscuridade e na indeterminação, como sugeriria a crítica psicologizante, mas na precisão de um limiar, onde o sensível e o supra-sensível, perigosamente, podem sempre bascular (isto é, por uma notável coincidência etimológica: "sub limen"), podemos então reconhecer também que foi com o auxílio do poeta que percorremos o laborioso caminho até chegar a essa percepção. Nele, bem melhor que uma teoria do sublime ao lado das outras, Weiskel quis ver, e encontrou, o sublime em ação.
A busca de um denominador comum entre o sublime literário (à primeira vista do domínio da retórica) e o sublime "natural" (que Kant põe em cena na "Crítica do Juízo") -a suposição essencial de que em ambos estaria agindo a mesma "estrutura subjacente"- está ligada, é claro, aos requisitados de unidade e generalidade de que depende a eficácia de sua modelização. Mas tem também uma segunda função, pela qual o autor pretende ancorar sua questão no coração da atualidade: a época do sublime (romantismo e pré-romantismo) é também a época da história literária em que se torna problemática a relação entre autoridade e autenticidade (entre imitação e originalidade), em que o criador literário passa a viver a relação com os mestres e modelos do passado sob a forma da ansiedade. Identificar-se com a grandiosidade da tradição e não ser esmagado por ela, essa "tarefa" que se impõe aos novos -não poderia então ser experimentada dentro da mesma estrutura e dinâmica que move o espírito romântico perante a grandiosidade da natureza? Terror, assombro, ansiedade, o teste decisivo de atravessar com êxito o movimento trifásico -não estaria aí o segredo do fenômeno que se tornou tão conhecido hoje sob as fórmulas: "angústia da influência" (Bloom) e "ônus do passado" (Jackson Bate)?
Curiosa, com efeito, a história do sublime, que conheceu seu apogeu entre os séculos 18 e 19 e no nosso século estaria esgotado -a ponto de só poder ser retomado em termos de "reabilitação" (Weischedel, "Rehabilitation des Erhabens", 1961). Nascido do encontro entre um tratado de retórica do século 1 (o "Peri Hypsous, Traité du Sublime", atribuído na época a Cassius Longinus e traduzido em 1674 por Boileau) e uma mentalidade em formação, que tinha como problema central encontrar uma nova postura em face de uma transcendência esvaziada. Que eco não haveria de encontrar a recomendação do Pseudo-Longino, de que o sublime não deveria ser ornamental, mas cultivado como verdadeira elevação da alma, quando vemos um pensador como Moses Mendelssohn apontar como "objetos" do sublime precisamente "Deus, o mundo, a alma" -os próprios objetos da metaphysica specialis da escola wolffiana!
Burke, como se sabe, contribuiu decisivamente para o prestígio e o aclaramento desse conceito, ao ensinar a defini-lo por oposição ao belo. Sua elaboração kantiana, sua adoção pelos primeiros românticos dão início a uma trajetória vitoriosa, até que Theodor Vischer, um de seus últimos cultores, reconhece e atesta seu declínio, causado, na sua opinião, pelo fim da religião (Feuerbach), o fim da metafísica (com o pós-hegelianismo), o fim da poética normativa e -não menos decisiva- a relevância crescente das ciências naturais e dos problemas sócio-políticos.
Com esse diagnóstico estranho (ou pelo menos discutível) estaria encerrada a "história oficial". O livro de Weiskel sugere incisivamente que mais coisas se passaram nos subterrâneos dessa história e que, em vista delas, o sublime ainda merece atenção. Vejamos então como fica, à luz de suas análises, um clássico exemplo de formulação do sublime, talvez não tão superado e empoeirado como se suporia. Experimentemos reler, pensando nos modelos propostos pelo crítico americano, o célebre fragmento de Novalis (Pólen 16, Entremescladas 17): "A fantasia põe o mundo futuro seja na altura, ou na profundeza, ou na metempsicose, em relação a nós. Sonhamos com viagens através do todo cósmico -Então o universo não está dentro de nós? As profundezas de nosso espírito nós não conhecemos. Para dentro vai o misterioso caminho. Em nós, ou em parte nenhuma, está a eternidade com seus mundos -o passado e o futuro".

Texto Anterior: Dilemas do sublime
Próximo Texto: Os padrões da ciência
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.