São Paulo, segunda-feira, 3 de abril de 1995
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Marcelinho faz ponte entre o esporte e o espetáculo

Vistos de perto, atletas idealizados ficam mais humanos

BERNARDO AJZENBERG
SECRETÁRIO DE REDAÇÃO

Agora, no segundo tempo, ansioso para ver esses deuses de perto, vou acompanhar a partida ao lado do campo, atrás do gol de Velloso. A cada degrau que desço, porém, os jogadores ficam maiores no gramado, mais carnais, vivos.
Paradoxo
Desço mais um tanto, e já os vislumbro quase ombro a ombro. Que paradoxo! À medida que sua presença aumenta fisicamente, reduz-se aquela transcendência reinante na tribuna antes!
Quanto mais me aproximo, e entro no campo, mais os vejo apenas como atletas, berrando, suados, truculentos, empurrando-se, entre cusparadas.
Esvai-se a graça divina! Entra em ação o homem. Claro: eles agora parecem humanos, ficam menores, se xingam, são gente jogando bola e pronto.
Tudo, então, deixa de ser espetáculo, e, na crueza do confronto, na sujeira de meias e calções, tudo se transforma, meramente, em... esporte!
Mas é também neste momento, quando estou no mesmo plano, na linha do gramado, quase lado a lado com os jogadores, é neste momento que constato haver mesmo, no futebol, uma categoria rara, um ente intermediário entre deus e homem: o herói.
E o herói, aqui, é o franzino Marcelinho. Aos 24 minutos, recuperando-se do presente dado por ele mesmo a Roberto Carlos no gol palmeirense, faz um golaço histórico e arrasa com Velloso.
Já no finalzinho, recebe um presente -ele desta vez- de Tupãzinho, e coloca de novo a bola lá dentro. Corre, chorando, abanando os braços, como se voasse. Só um herói sabe se reerguer com tanto brilho.
Encerrado o jogo, Marcelinho diz, cercado de repórteres, que estava com o ego afetado no intervalo, que sentia que a responsabilidade estava com ele. Orou, pediu o diabo aos céus! E, ao que parece, recebeu.
Inspiração
Marcelinho é um herói, porque, sem chegar a ser deus, mas estando acima dos comuns mortais no trato de seu ofício, ecoa o aqui apropriado verso de um jovem poeta carioca, Carlito Azevedo, sobre "inspiração": "...desconfiar do estalo/dar ao estalo estilo."
É isso: heroicamente, entes como Marcelinho conferem, ao estalo, estilo; fazem a ponte entre o esporte e o espetáculo. Quanto a Edmundo, outro semideus, desta vez, foi apenas homem.

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