São Paulo, segunda-feira, 3 de abril de 1995
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Cidadania empresarial

ODED GRAJEW

Erramos: 04/04/95
Diferentemente do publicado ontem na seção Tendências/Debates, o empresário Oded Grajew não é coordenador-geral do PNBE (Pensamento Nacional das Bases Empresariais), mas um dos coordenadores da entidade.
Na campanha presidencial de 1994, fiz parte de um grupo de empresários que se engajou na candidatura de Luiz Inácio Lula da Silva, formando o comitê de empresários Lula-Presidente. Todos nós sabíamos da dificuldade de nossa tarefa -estabelecer uma ponte entre os partidos de esquerda, especialmente o PT, e a classe empresarial.
A carga ideológica, o preconceito, a desinformação e a desconfiança eram muito grandes. A nossa curta história de vivência democrática deixou nossos empresários com muito receio de se posicionar politicamente de forma aberta, preferindo dar apoios discretos, para não dizer secretos, temendo ser objeto de retaliações caso seu candidato perdesse as eleições. Nossos governantes, ao longo dos últimos anos, com raras exceções, adotaram a política do "é dando que se recebe".
Ao mesmo tempo, "o comitê de empresários" sabia que era e é desejo de muitos empresários de ter no Brasil um governo ético, preocupado em melhorar a distribuição de renda no Brasil, incentivando a geração de empregos, privilegiando a produção e não a especulação, priorizando a educação e a saúde nas suas políticas públicas, capaz de enfrentar as corporações de interesses particulares e priorizar as causas nacionais. Sobretudo querem um governo que tenha coerência, que não esqueça seus compromissos de campanha, que garanta a participação das forças produtivas, que dialoga porque prefere acordos a imposições e modelos unilaterais.
Para tentar combater o preconceito e a desinformação, o melhor caminho é a promoção de encontros pessoais, diretos, onde através de uma conversa franca todos pudessem tirar conclusões sem intermediação de terceiros. Foi assim durante a campanha eleitoral. Dezenas de encontros foram realizados, envolvendo pequenos, médios e grandes empresários de todos os setores de nossa economia. Sempre com a participação do Lula e de vários integrantes do PT em nível nacional e regional.
Lula perdeu as eleições, mas ficou em todos a certeza que algo de muito importante havia se iniciado, um trabalho cujo alcance ultrapassa a conjuntura de um resultado eleitoral. Um diálogo importante havia se iniciado e todos sentiram vontade de continuar. Relações pessoais e institucionais estavam se constituindo, ultrapassando dificuldades iniciais. O fim do processo eleitoral permitiu que, baixado o fogo das paixões exacerbadas, aparecesse um potencial de realizações com muita substância.
O comitê de empresários decidiu constituir a Cives -Associação Brasileira de Empresários pela Cidadania. Congregando empresários e profissionais com direta participação e influência no meio empresarial, a Cives se propõe a promover o diálogo e o debate de idéias entre a classe empresarial e os partidos que se compuseram em torno da candidatura do Lula, em especial o PT. É uma iniciativa inédita. Busca desobstruir canais, enriquecer o debate político através da troca de idéias e informações, tentando tirar empresários e dirigentes partidários dos guetos nos quais se encontram, sem poder se comunicar, inclusive sem poder somar forças quando estão em jogo interesses comuns.
Muitas vezes posições errôneas são tomadas, tanto no meio empresarial quanto no meio político por absoluta falta de informações. Inúmeros conflitos poderiam ser evitados se houvesse canais de comunicação entre as partes. Preconceitos são frequentemente derrubados quando as pessoas se encontram e descobrem o ser humano que está atrás da figura pública.
Não é por acaso que ao longo do tempo se constituiu uma rejeição entre os empresários em relação ao PT e vice-versa. Dividir para governar. Esta é a estratégia das forças políticas no poder no Brasil há tanto tempo e que levaram nosso país a ter a segunda pior distribuição de renda no mundo, a terceira maior evasão escolar, a destruição do sistema público de saúde, a valorização da especulação e ao desincentivo à produção.
Está na hora de novas alianças se formarem, juntando empresários, profissionais liberais, trabalhadores, dirigentes políticos que acreditam na ética e na democracia, na solidariedade entre todos os brasileiros, especialmente para com os explorados e marginalizados de sempre. Pensam que o Brasil pode decidir seu destino e sua inserção na economia global de forma soberana, da mesma forma que o fazem os países do Primeiro Mundo. Acreditam que é melhor gerar empregos aqui dentro do que lá fora e que o caminho da modernidade passa por uma justa distribuição de renda. Já perceberam que o social não é o resultado automático da economia, mas que os dois devem sempre andar lado a lado.
Empresários e o PT têm muito a conversar. Não é à toa que a Fiesp e a CUT se unem para pressionar o Congresso a priorizar a reforma fiscal e tributária quando este tende a empurrar esta questão com a barriga. A Cives nasce para ajudar a abrir o diálogo, a desobstruir os canais, a derrubar preconceitos, tentar desmistificar, provocar o debate e a reflexão entre forças políticas e sociais aparentemente antagônicas, mas com muitos interesses comuns.

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