São Paulo, quarta-feira, 5 de abril de 1995
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O aposentado inverdadeiro

JANIO DE FREITAS
O APOSENTADO INVERDADEIRO

A insistência no tema não é minha. Supus haver publicado o necessário sobre a aposentadoria privilegiada (e também suspeita) do ministro Reinhold Stephanes, da Previdência. A opinião dele é diferente. Assim sendo, vamos lá.
Datada de 23 de março, recebi anteontem uma carta de Stephanes cujo carimbo, pouco legível, sugere só ter sido postada em Brasília no dia 30. Além disso, foi remetida para a Folha em São Paulo, e o ministro sabe, desde integrante do governo Collor, que mantenho pés e patas no Rio. A carta me chegou anteontem. Ei-la:
"Na sua coluna de 19.03.95, sob o título 'Privilégio Escondido' há considerações que, pela forma de exposição, tentam minimizar os esforços do governo do presidente Fernando Henrique Cardoso para realizar a reforma da Previdência. Isto com base em ilações bem construídas.
"A Constituição de 88 instituiu dois vínculos públicos para médicos e professores. Não me cabe sugerir a extinção dos dois vínculos, mas exigir a contribuição da Previdência sobre os mesmos. Dizer que isto vai me beneficiar, e 'que denuncia má-fé do autofavorecimento' não é verdade. É presunção e julgamento sumário.
"A permissão de acumulação de cargo em comissão com aposentadoria, por dois anos, é uma forma de evitar um amplo leque de demissões do setor público, buscando-se adotar um prazo de transição. Do mesmo modo que não é verdade insistir que me aposentei aos 22 anos de serviço. Além de uma inverdade, é uma forma grosseira de pretender mediocrizar e desviar as atenções acerca do debate sobre a reforma da Previdência.
"Aposentei-me por tempo de serviço com 34 anos e seis meses de serviço, como 1.616.226 brasileiros, só no INSS, já que não há dados sobre o número de beneficiários nos regimes paralelos. O que pode ser incorreto é o dispositivo legal que permite ao servidor público, o que sempre fui, contar em dobro, para efeito de aposentadoria, férias e licenças prêmio não gozadas. O que está em jogo não é o meu caso pessoal, mas a reforma de um modelo que está esgotado pelos inúmeros privilégios oferecidos a alguns, em detrimento da grande maioria".
Sete dias depois da data ostentada por esta negação da aposentadoria aos 22 anos de serviço público, a Folha do dia 30 publicou o reconhecimento, feito na véspera pelo próprio Stephanes, de que os 22 anos aqui citados eram corretos. Para todos os efeitos, porém, recebo a carta depois daquele reconhecimento, o que me dá a dupla oportunidade de reafirmar e, agora, também esmiuçar a informação anterior.
Reinhold Stephanes foi nomeado para a Prefeitura de Curitiba "a partir de 31.12.63", no que o vereador Jorge Samek bem observou um presente de Papai Noel. A partir de 1.10.69, foi posto à disposição do Ministério da Agricultura. Em maio de 75, conseguiu o prodígio de ficar à disposição de dois ministérios ao mesmo tempo, o da Cultura e o da Previdência. Depois de 45 dias de licença para campanha eleitoral, foi posto à disposição da secretaria paranaense de Agricultura e, em 83, obteve nova licença, para exercer o mandato.
Stephanes aposentou-se em 11.12.85 -portanto, 22 anos depois de tornar-se funcionário em 31.12.63. Aposentou-se pela Prefeitura de Curitiba. Mas nela esteve menos de quatro anos, só 45 meses.
Não é verdade, como diz o ministro na carta, que tenha completado o tempo legal com férias e licença-prêmio não usufruídas. Completou-o incluindo o tempo de serviço militar e o período em que foi estudante de escola técnica. E aí há algo problemático: a lei permite a contagem do tempo em escola técnica que remunere os alunos, mas não encontrei comprovação de que Reinhold Stephanes fosse remunerado pela Escola Técnica do Paraná. Poderá ele comprovar a remuneração?
Não é verdade que aqui fosse feita, como diz o ministro na carta, acusação de que se beneficiasse dos vínculos (acumulação de aposentadoria e vencimentos) permitidos a professores e médicos. A "má-fé e o autofavorecimento" foram mencionados com fundamentação bem explicitada: o artigo indecente, escondido no penúltimo parágrafo do seu longo e caótico projeto de reforma da Previdência, que lhe concede, aos demais ministros e seus assessores especiais o direito, estritamente para eles, de acumular ainda por dois anos as respectivas aposentadorias e os atuais vencimentos.
Não é verdade, portanto, que a aposentadoria de Reinhold Stephanes esteja "ética, moral e legalmente correta", se prestou serviços à Prefeitura de Curitiba por menos de 4 anos e por apenas outros 18 anos em ministérios. E, sobretudo, se envolve suspeita acumulação de disponibilidades e remuneração escolar ainda por ser comprovada. Mas explica que o seu projeto de reforma da Previdência não seja ético, nem moral, nem legal.

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