São Paulo, sexta-feira, 7 de abril de 1995
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'Epidemia' inventa 'serial killer' molecular

SÉRGIO AUGUSTO
DA SUCURSAL DO RIO

Filme: Epidemia
Produção: Estados unidos, 1994
Direção: Wolfgang Petersen
Elenco: Dustin Hoffman, Rene Russo, Morgan Freeman, Cuba Gooding Jr, Donald Sutherland
Estréia: hoje, nos cines Marabá, Interlagos 1, West Plaza 4, Butantã 1, Liberty e Marrocos 1

"Epidemia" é uma espécie de "Tubarão" biológico. Ou seja, um thriller de laboratório cujo vilão é um "serial killer" molecular. No caso, um vírus letal surgido nas tropicais florestas do Zaire, codinome Montaba. Cada época tem o terrorista que melhor se adapta às paranóias vigentes. O pânico nuclear produziu dezenas de apocalipses cinematográficos. Chegou a vez da histeria virótica e seus perigos invisíveis.
"Epidemia" poderia ser o "Enigma de Andrômeda" da era Aids, mas preferiu ser apenas um "Speed" com proveta, um filme-mafuá onde tanques e helicópteros provocam mais suspense -e sobretudo emoções hormonais- do que toda a parafernália científica do Exército norte-americano.
Estranha moléstia dizimou um vilarejo do Arizona, no final dos anos 60, mobilizando uma Swat de germonautas, que afinal desvendavam o mistério: o micróbio era extraterreno e viera a bordo de um satélite da Nasa. Com o romance "O Enigma de Andrômeda", filmado por Robert Wise em 1971, Michael Crichton abriu um filão que só não vingou porque Hollywood viciou-se em monstros visíveis, medonhos e, de preferência, ciclópicos.
Caça-níqueis
"Epidemia" poderia significar a retomada de um elo perdido. Mas não com um produtor caça-níqueis como Arnold Kopelson e muito menos com um diretor truculento como o alemão Wolfgang Petersen ("O Barco", "Na Linha de Fogo").
Kopelson foi um dos muitos a ficar ouriçado com um artigo de Richard Preston, "Crisis in the Hot Zone", publicado há três anos na revista "The New Yorker". Motivo da crise: um vírus chamado Ebola, que por pouco não escapou de um laboratório de Virginia, semeando a morte em escala imprevisível.
A Fox fez a primeira oferta, acenando com um filme eventualmente estrelado por Robert Redford e Jodie Foster. Antes mesmo deste projeto ir por água abaixo, Kopelson já havia convencido a Warner a pegar carona na história de reston e produzir algo próximo a uma mistura de "Síndrome da China" com "King Kong".
Resumindo: em "Epidemia", o vírus se espalha e seu transmissor é um macaco que, a exemplo de King Kong, não pediu para ser importunado e muito menos retirado de seu habitat natural.
Suspeita-se, de início, que tudo não passe de uma vingança da natureza contra o desmatamento das florestas tropicais. Mas a ecologia é só um detalhe fugaz. Quando a ação se concentra em Cedar Creek, pequena cidade da Califórnia onde o vírus faz suas primeiras vítimas em território norte-americano, as coisas se esclarecem: "Epidemia" não passa de um velho filme de ficção-científica, opondo abnegados e bem-intencionados cientistas a militares tacanhos e belicistas.
Clichês
Liderando o lado bom, Dustin Hoffman, que, decididamente, não faz o gênero Harrison Ford. Sua nêmesis é um clichê de general fascistóide encarnado por Donald Sutherland. Até por conter um milico quase tão alucinado quanto o Jack D. Ripper imortalizado por Sterling Hayden, "Epidemia" tinha tudo para ser o "Dr. Fantástico" dos anos 90. Mas não com Petersen na direção.
O roteiro de Laurence Dworet e Robert Roy Pool tampouco ajuda. Tem todos os lugares-comuns dos filmes-de-desastre, encaixa mal os problemas amorosos e conjugais de Hoffman e Rene Russo, não consegue dar consistência aos personagens e tem mais situações previsíveis do que a minha paciência é capaz de suportar.
E pensar que Kopelson pagou à dupla US$ 250 mil, e ainda desembolsou uma fortuna para que Carrie Fisher e Ted Tally (o "script doctor" de "O Silêncio dos Inocentes") retocassem diversas sequências. Vai ver foi de um deles a única boa idéia do filme: a cena do espirro, no interior de um cinema.

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