São Paulo, sexta-feira, 7 de abril de 1995 |
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'Sábado' observa contradições do Brasil
INÁCIO ARAUJO
Produção: Brasil, 1994 Direção: Ugo Giorgetti Elenco: Otavio Augusto, Maria Padilha, Tom Zé, Giulia Gam, André Abujamra Onde: a partir de hoje Espaço Banco Nacional de Cinema/sala 1, Estação Lumière 1, Olido 2 A melhor sequência de "Sábado" talvez seja aquela em que a mulher do zelador (Luiza Helena), após descobrir algumas relíquias preciosas, pertencentes a um antigo nazista, atira pela janela fotos, papéis e até uma condecoração de guerra. É uma cena curta e um dos momentos de atriz mais memoráveis do cinema brasileiro nos últimos anos: ela consegue transmitir, ali, a mistura espantosa de ignorância e auto-suficiência que define, em um nível, o olhar que Ugo Giorgetti lança ao Brasil em "Sábado". Trata-se de mostrar um país ineficiente, atabalhoado, boçal, incapaz de decifrar os signos culturais elementares. Quase sempre, também, predisposto a jogar o tempo (e outras riquezas) pela janela. Nem por isso o filme é expressão de um desses brasileiros que renegam o país para alardear as virtudes de, digamos, Miami. Seu esforço em captar essas características nos gestos cotidianos dos diversos personagens de "Sábado" não tem também a intenção de fazer um papel de polícia e juiz das coisas. É como se dissesse: isto acontece; pense o que achar melhor. Mas esse não é o aspecto central do filme, que se passa em um antigo edifício da região central, onde uma equipe de cinema faz um comercial para a TV. Nesse nível, o da trama, "Sábado" contrapõe um Brasil real (esse da boçalidade) ao imaginário criado pelos anúncios. Os anúncios estabeleceram, como se sabe, a ideologia do glamour, da perfeição, das coisas que funcionam. Elas não supõem fracasso e depressão nem no conteúdo (a conquista amorosa é sempre bem-sucedida, graças a tal ou tal produto), nem na forma (os filmes não admitem defeito). Essa oposição entre real e imaginário é propícia a acertos de contas. Mostrar a realização de um comercial todo certinho e colocá-lo em oposição a uma realidade bem mais áspera poderia ser uma maneira de criticar a artificialidade dos comerciais de televisão. Ainda uma vez, porém, Giorgetti suspende o juízo, quase como um zen-budista: o comercial está lá porque está, é da ordem das coisas e pronto. No entanto, resta esse abismo desconfortável entre duas instâncias que não se conectam: o real vai para um lado, o imaginário para outro. Eventualmente, elas se cruzam dramaticamente. Por exemplo, quando o elevador em que viajam uma diretora de arte pernóstica (Maria Padilha), um cadáver, dois funcionários do Instituto Médico Legal (Otavio Augusto, Tom Zé) e um gordo que só ia comer um churrasco com uns amigos do prédio (André Abujamra). Começa então a convivência obrigatória -que atravessa o filme inteiro- entre seres desiguais e diferentes, forçados a partilhar um mesmo espaço. É esse o quadro escolhido por Giorgetti para situar o problema que mais parece interessá-lo: o tempo e seu escoamento. O filme se passa num sábado, que é uma mistura de feriado e dia útil. Nesse dia (e na situação descrita acima) colocam-se urgências exasperantes, como a necessidade de terminar as filmagens ou de consertar um elevador. Paralelamente, uma série de obstáculos colocam-se a esses objetivos e produzem o desperdício de tempo. Giorgetti insere aí tanto o ganho engendrado pela perda (a conversa, o humor, a troca), como a monumental perda gerada pela eficiência (o comercial resulta, no fim, uma futilidade). É nesses paradoxos que "Sábado" baseia seu encanto de filme que não tenta impressionar com brilharecos. Traz, em troca, uma vivência e um olhar bem paulistanos, ao juntar no mesmo espaço experiências contraditórias, opostas, em que dois brasis se espelham e se interrogam. É um filme de humor inquieto, que assume seus riscos e sabe administrá-los. Texto Anterior: "O Sol Enganador" revisita o stalinismo Próximo Texto: Cavalos são a real paixão de "Mazeppa" Índice |
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