São Paulo, domingo, 9 de abril de 1995
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Expulsão de sequestradores estrangeiros será ilegal

WALTER CENEVIVA
DA EQUIPE DE ARTICULISTAS

A Folha noticiou quinta-feira (página 5 do caderno 3) que a Comissão de Direitos Humanos da Câmara Federal encaminhou ao presidente da República pedido de indulto para Raimundo Rosélio Freire, brasileiro que participou do sequestro de Abílio Diniz, em 1989. O segundo parágrafo da matéria chama atenção. Diz ele: "A comissão também pediu a expulsão dos cinco cidadãos chilenos, dois argentinos e dois canadenses, responsabilizados pelo sequestro, alegando razões humanitárias".
O fato de o pedido de indulto para o brasileiro incluir suplementarmente a expulsão (e a óbvia libertação) de uma canadense rica e muito influente não deve permitir interpretação maliciosa para o súbito interesse da Comissão pelo bem-estar desses delinquentes.
A avaliação do pedido deve, ao menos nesta coluna, ser técnica, a começar da assertiva, constante do ofício, de que hoje "é possível concluir que as penas foram exacerbadas". Trata-se de apreciação inadequada da decisão judicial. Se cabe ao réu pedir revisão da pena quando a considere "exacerbada", não cabe ao legislador advogar por ele, afrontando a independência dos poderes.
O indulto corresponde ao perdão, ou seja, extingue a punibilidade. Sua outorga é da competência privativa, por definição constitucional (constante do artigo 84) do presidente da República. Todavia, a Carta Magna exclui a possibilidade de graça ou anistia para crimes hediondos, um dos quais é o sequestro. O indulto é uma das formas da graça ou anistia.
A competência para a ordem expulsiva compreende duas alternativas: a expulsão propriamente dita (quando o Brasil considera inconveniente a presença do estrangeiro) e a extradição (quando um país estrangeiro formula o pedido). A Carta tem restrições claras: o brasileiro nunca será extraditado, mas o estrangeiro poderá sê-lo, salvo se acusado de crime político ou de opinião.
A competência exclusiva para apreciar o pedido de extradição é do Supremo Tribunal Federal, mas a competência para a expulsão do território nacional -da qual a Constituição não trata- é do chefe do Executivo federal, conforme prevista pelo Estatuto do Estrangeiro.
A alegação de razões humanitárias e de que os sequestradores queriam recolher fundos para a guerrilha em El Salvador, contida no ofício do deputado Nilmário Miranda (PT-MG), presidente da Comissão de Direitos Humanos, não autoriza a expulsão, mesmo sabendo que a lei submete o assunto à discrição presidencial.
Decorre do inciso 43 do artigo 5º da Carta Magna que o sequestro é inafiançável e seu autor não pode ser anistiado ou receber graça. O presidente da República está impedido de determinar a expulsão porque seria uma forma tortuosa de anistiar os sequestradores, os quais, uma vez excluídos da aplicação da lei brasileira, seriam imediatamente libertados em seus países, salvo se ali acusados de outros crimes, hipótese estranha ao interesse nacional.
Lembro, por fim, as finalidades da pena. A condenação criminal serve para punir o delinquente e para exemplo dos demais. A libertação dos estrangeiros (pois sobre eles se concentrará o interesse público) incentivará outros a optarem pelo sequestro, o que é um mal no Brasil atual. Geraria contraste com outras situações -que se contam aos milhares- de presos por delitos menores, cujos direitos nem sequer podem ser exercidos ante a falta de condições materiais e humanas das prisões brasileiras. Ou cujos direitos são flagrantemente ofendidos, pela inadequada aplicação da lei que lhes corresponde.

Texto Anterior: Novos rumos na política de drogas alemã
Próximo Texto: Para médicos, série americana é caricatura
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.