São Paulo, domingo, 9 de abril de 1995
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Lésbicas não abrem mão da maternidade

CAROLINA CHAGAS; MARLENE BÉRGAMO
DA REPORTAGEM LOCAL

A estudante Mariana J., 19, diz ter "perdido o chão" no dia em que soube que sua mãe, a socióloga Júlia J., 40, era lésbica.
Ela conta que ficou chocada: "Tinha 12 anos e tive medo do que minhas colegas iam pensar".
Hoje, ela também é adepta da frase de Caetano Veloso "qualquer forma de amor vale a pena".
"As mulheres têm um jeito de amar mais suave e entendem melhor do que os homens as suas companheiras", afirma.
Mariana nasceu de um rápido "caso" que sua mãe teve com um arquiteto. "Desde que descobri minha sexualidade, gosto de namorar mulheres", conta Júlia.
"Por outro lado, sempre tive muita vontade de ter filho. Estava à procura de uma parceira para adotar uma criança quando conheci o pai de Mariana. Tivemos um rápido envolvimento e ele topou me ajudar no meu projeto."
Criar Mariana foi uma tarefa complicada. O trato que Júlia fez com o arquiteto não incluía assumir a paternidade da criança.
"Acho que Mariana sente falta de um pai. Quando ela era menor, me perguntava dele de vez em quando. Eu dizia que a nossa família era meio diferente, que éramos só nós duas. E, para não confundir mais a cabeça dela, nunca morei com nenhuma namorada."
Mariana confessa ter demorado a entender o que acontecia em sua casa, mas acha que teve uma educação adequada.
"Minhas amigas que têm pai e mãe são muito mais angustiadas nos relacionamentos amorosos. Acho que eu sou mais relaxada, entro na parada com menos expectativas, apesar de, como elas, também querer casar e ter filhos."
Para a psicóloga de casais Carolina Ribeiro, 29, mães homossexuais podem ser bem-sucedidas na educação de seus filhos.
"Ser criado por um homossexual não é um fator determinante para que a criança tenha problemas de adaptação social", afirma. "A boa formação sexual da criança dependerá, isso sim, de perceber que seus pais são pessoas desejadas, mesmo por outros parceiros."

Confiança
Os três filhos de seu casamento de 8 anos com o advogado Mário K. foram a maior preocupação da analista de sistemas Isa K. L. quando ela se apaixonou pela amiga, vizinha e também analista de sistemas Beth T..
"Demorei a assumir minha paixão por ter medo de traumatizar os meus filhos", conta Isa.
Quando se conheceram, nem Isa nem Beth, também mãe de um garoto, tinham tido outros relacionamentos homossexuais.
"Convivi um ano sem tesão com meu marido até me convencer de que eu era a única responsável por minha infelicidade", diz Beth.
Depois de 14 anos de convivência, as duas têm certeza de que escolheram a melhor solução.
"No dia em que contamos para as crianças que transávamos, elas ficaram meio atônitas. O mais velho quebrou o gelo com um 'pô mãe, por que você?"'
Depois de uma semana, segundo conta Isa, os filhos de ambas já estavam mais conformados.
"Eles sempre tiveram pai presente. São bem resolvidos sexualmente -pela heterossexualidade-, mas não têm preconceitos. E a Beth continua sendo uma tia que adoram e em quem confiam."
A relações públicas Maria B., 38, e a pedagoga Renata H., 42, acham que a adoção de Regina, hoje com 4 anos, coroou um relacionamento bem-sucedido.
"Nós duas queríamos ser mães, mas não tínhamos vontade de namorar rapazes. Resolvemos adotar uma criança", conta Renata.
Oficialmente, Regina é filha de Renata e do irmão de Maria.
"Meu irmão também acabou se envolvendo com a menina. Acho bom ela ter um referencial masculino. Não é por gostar de mulheres que quero que ela também transe meninas", afirma Renata.

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