São Paulo, domingo, 9 de abril de 1995
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A moça e a minissaia

ADÉLIA PRADO

Isaura, menina gorda, filha de mãe gordíssima, se cansava à-toa, escrevia molhando o lápis e prevenia: "Aposto que vou tomar bomba". "Não falei, não falei?", cobrava depois vitoriosa. Somava de cabeça e seus olhos brilhavam quando acabava uma composição assim: "Salve! Salve! Tomaz Edson o inventor da lâmpada!"
Aquele dia, irrompeu quarto adentro, onde eu costurava e me contou triunfante: "Achei bem bão, a mãe chamá elas de magrela, as duas chata, toda hora na nossa porta amolando e enchendo, implicando a gente. Tem serviço não, suas magrela? a mãe falava, eu achando bem bão. Chamou elas de magrela, até."
Isaura, palradeira, fornecia notícias: "Não como pão de manhã cedo. O pai não gosta nem vê que eu ponho isso, acha bonito é vestido."
-O quê?
-Isso aí, respondeu apontando com a cabeça.
Atinei que ela falava da peça que eu costurava e vi na cara dela o resto de um esforçado desinteresse. Senta aí, insisti. Ela sentou, com os pés virados pra dentro, acomodando sem parar o cabelo atrás da orelha. Solicitava de mim urgências para um equívoco que ela não podia localizar. Ou seria mesmo uma dor? Isaura esperava inocente e pesada. Eu era só mãe de filhos, mas isso inventei pra nos salvarmos:
-Isaura, vamos tomar um café.
-A senhora come pão, dona Clotilde?, falou muito admirada.
-Ora, se.
-Mas olha!, tornou a admirar-se.
-Queria uns olhos feito os seus, Isaura.
-Senhora?
-Uns olhos feito os seus.
-Ah, ela falou aceitando mais pão, desabafando aos trancos: "Até que eu gosto um pouquinho daquelas duas, a mãe é quem tem mais raiva".
Antes de sumir feito uma bala, disse: "Depois eu volto mais, Dona Clotilde".
Era a primeira vez que ela se despedia.

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