São Paulo, sexta-feira, 14 de abril de 1995
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Zedillo inverte rota de Salinas no México

JORGE CASTAÑEDA
ESPECIAL PARA A FOLHA

O atual regime mexicano tem a vantagem, em relação aos que o antecederam, de poder ostentar certa transparência e franqueza nos pronunciamentos e propósitos. Com maior ou menor grau de detalhes, anuncia intenções, comenta táticas e revela planos.
Convém examinar esses planos para determinar suas perspectivas e seu grau de viabilidade. Não para aceitar o projeto cegamente, como no passado, nem para denunciá-lo como cruel ou odioso -apenas para saber se tem condições de funcionar.
Ernesto Zedillo já divulgou que sua estratégia para escapar da persistente crise que fustiga o México desde 20 de dezembro de 1994 segue por dois caminhos.
Em primeiro lugar, dada a obrigação que assumiu o presidente mexicano de buscar uma saída apenas dentro da ortodoxia econômica e financeira, não existe outro remédio senão um ajuste duríssimo, afundando o país numa profunda recessão.
O compromisso -inevitável, segundo o presidente- de cumprir integralmente os pagamentos da dívida de curto prazo e com as condições impostas pelos Estados Unidos e o FMI em torno do gigantesco pacote de resgate de janeiro, impede um ajuste menos recessivo. E a recessão vai provocar uma queda brutal na receita e no bem-estar de milhões de famílias. Na visão do presidente Zedillo, isso é um dado -algo inevitável, impostergável, "imexível.
Em troca, o atual governo parece querer oferecer ao país um caminho de democracia, justiça e honestidade, ou seja, tudo que o governo anterior adiou ou simplesmente se negou a fazer.
Em resumo, Ernesto Zedillo se propõe a mudar o rumo no âmbito político, mantendo o rumo econômico salinista. Reforma eleitoral -incluindo órgãos eleitorais independentes, eleições e campanhas eleitorais livres e justas- que se expressa, entre outras coisas, na identificação e captura dos responsáveis pelos assassinatos políticos do ano passado, mesmo que isto inclua os principais personagens do regime passado, e um basta à corrupção: são estas as principais promessas feitas por Zedillo.
Até agora ele as realizou apenas muito parcialmente, mas em teoria pode ainda cumpri-las. O problema está na compatibilidade entre os dois capítulos da agenda de Zedillo. O perigo consiste em que tudo isto desemboque num salinismo de trás para diante.
A aposta de Zedillo parece ser exatamente a contrária: consumar todas as mudanças políticas necessárias para preservar o modelo econômico -abertura comercial, tratado de livre comércio com os EUA, setor público faminto, gasto público reduzido e financiado por receita tributária exígua.
Em ambos os casos -a rigidez política acompanhada de "economismo de Carlos Salinas, e o pragmatismo político de Zedillo, acompanhado de um insólito dogmatismo econômico -o fator subjacente é a esperança de que política e economia sejam dois compartimentos estanques, que uma não vá contaminar a outra.
É difícil manter um programa draconiano de austeridade sem controle sobre os sindicatos, com meios de comunicação cada vez mais livres, com partidos políticos que podem aproveitar o desgaste do governo, tudo isso após 12 anos de estagnação econômica e 65 anos de autoritarismo político. E conseguir com que a oposição -de esquerda e de direita, política e ideológica, social e intelectual- se alinhe com uma plataforma econômica alheia e impopular, parece no mínimo improvável.
Ou a abertura política provoca um golpe de direção econômica, ou desemboca numa regressão autoritária, imposta pelo descontentamento social e político. Apesar de que na vida real as alternativas nunca sejam tão categóricas, é perfeitamente possível -mais, é muito provável- que após algumas semanas ou meses, a tentativa de separar política e economia desemboque em nova crise.
Esse desenlace é mais exequível porque já não restam muitas balas na cartucheira de Zedillo. Se os mercados não se estabilizarem, ele se verá obrigado a lançar mão de suas últimas armas.
Essas armas incluem: a detenção de Carlos Salinas ou de seu virtual primeiro-ministro, José Córdoba; a suspensão do pagamento de parte ou toda a dívida externa mexicana, e a celebração de um novo acordo político e social, acompanhado de reviravolta na política econômica e da criação de um gabinete de guerra ou governo de emergência.
A síntese dessas alternativas significa utilizar a democratização real para impor ao modelo econômico os ajustes e retificações que ele precisa e que a maioria dos mexicanos exige. A primavera dá lugar a todas as esperanças.

Tradução de Clara Allain.

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