São Paulo, sábado, 15 de abril de 1995
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A falsa cultura

CARLOS HEITOR CONY

RIO DE JANEIRO - Quarta-feira, o presidente da República falou durante 40 minutos num seminário promovido pela Secretaria de Assuntos Estratégicos. O que ele tem falado por aí não é mole. Parece o Fidel Castro em início de carreira. A verborragia presidencial é vaga, manda carapuças em várias direções e, de concreto, diz que sem reformas não poderá governar.
Péssima desculpa para fazer nada. Durante a campanha eleitoral, FHC invocou o exemplo de JK. Refresco de memória: JK foi presidente sob o regime da Constituição de 46, que era habitualmente acusada de ser obstáculo a qualquer governo.
Em nenhum momento pensou em reformar a Carta Magna, em pedir poderes especiais, em redesenhar o Estado. Trabalhou com o que tinha à mão. Teve criatividade para, dentro da Constituição, criar organismos que dessem maleabilidade ao Estado e à sociedade.
Até mesmo sua idéia mais polêmica -a construção de Brasília- foi consequência da Carta de 46. Num comício em Jataí (GO), um sujeito cobrou-lhe esse dispositivo constitucional. JK nunca havia pensado em uma nova capital, mas embarcou na canoa.
Quem desejava reformas na Constituição era Jânio Quadros. Deu no que deu. Sem falar nos militares pós-64, que pelo menos foram sinceros e a rasgaram.
Outra coisa: cada vez que abre a boca, a decantada cultura do presidente sofre arranhões. Ele está confundindo Reforma com reformas. Dá a impressão de que não sabe o que foi a Contra-Reforma. O assunto não é religioso -como deixou entender. Em 1517, quando colocou aquele papelzinho na porta da catedral de Wittenberg, Lutero não estava criando uma seita religiosa, mas inaugurando o mundo moderno. Em escala maior do que as conquistas dos navegadores e do que a imprensa de Gutemberg.
E a Reforma foi uma tentativa de volta às origens do humanismo que a Idade Média havia corrompido através do Estado -teocrático ou neoliberal dá na mesma.
Invocar o catolicismo e o protestantismo a propósito das contas da Previdência ou da privatização da Petrobrás é expressão da falsa cultura que costuma ser mais letal do que a nenhuma cultura.

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