São Paulo, segunda-feira, 17 de abril de 1995
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O papel civilizador da empresa

LUÍS NASSIF

O papel da empresa no Brasil contemporâneo merece ser melhor discutido. Hoje em dia, a empresa é de longe o núcleo mais dinâmico da sociedade, o lócus básico de modernização e de sociabilização, o agente mais fecundo de implantação dos valores da cidadania e da civilização.
Obviamente, não se generalize a afirmação. Ainda há setores empresariais extremamente arcaicos, onde persiste o comando autocrático, a exploração da mão-de-obra do menor e as condições de trabalho ultrajantes.
Mas é no setor empresarial dinâmico, particularmente nas empresas que incorporaram conceitos e valores das modernas sociedades anônimas, que se processa a grande revolução modernizadora nacional.
Quase todas as demais instituições ainda estão contaminadas pela tradição patrimonialista portuguesa, que encara a atividade política como a maneira de impor o predomínio de grupos e as vantagens individuais sobre o conjunto dos cidadãos.
O Executivo, em todas as suas instâncias, é uma máquina emperrada e ineficiente, dominada pela politização mais irracional.
O Legislativo é poder tão pouco funcional, que o político médio disputa pequenos favores, enquanto seus assessores parlamentares exercem o poder.
O Judiciário é administrativamente tão anacrônico, que até oficial de justiça tem sua fatia de poder. Uma pesquisa profunda sobre o estado de saúde dos juízes de primeira instância possivelmente revelaria um dos mais altos índices de doenças do trabalho do país, tão adversas e tão frustrantes são suas condições de trabalho.
Com exceção de algumas ilhas, a universidade é um feudo de corporações, que há muito aboliu a meritocracia e a busca da excelência.
Nas relações sociais, as condições não são melhores. Nas grandes cidades, não há regras básicas de convivência social no trânsito nem tradição participativa, seja nas reuniões de condomínios ou na escola.
Praticamente não há entidade social -de associações de classe, sindicatos a clubes esportivos- que esteja imune à politização mais rasteira e imediata.
Cidadania e eficiência
Nas modernas empresas, o quadro é outro. A empresa age em função de resultados objetivos. Os avanços da ciência administrativa revelaram que a forma mais eficiente de atuar é buscar nos seus funcionários o que eles têm de melhor e mais nobre a oferecer: criatividade e iniciativa.
A partir daí, aboliram-se os velhos e autoritários princípios tayloristas. Nas modernas políticas de recursos humanos, as palavras de ordem passaram a ser cidadania e participação. A melhoria da qualidade de vida do funcionário deixou de ser concessão arrancada a fórceps pelas lutas sociais, para converter-se em peça central da busca de produtividade.
Ao mesmo tempo, os programas de qualidade e produtividade representaram avanços significativos sobre os velhos conceitos de organização e método, ao tornar cada funcionário responsável por tudo o que ocorre dentro da empresa.
Esses programas eliminaram a visão compartimentada da empresa, onde as relações eram rigidamente fixadas por regulamentos irracionais, dando margem ao aparecimento de castas e feudos burocráticos. As empresas mais avançadas já substituem o conceito tradicional de chefia por sistemas onde o comando é exercido em rodízio por todos os membros do grupos.
Essas normas mais flexíveis induziriam ao aprimoramento nas relações interpessoais. As noções de limite e as normas de sociabilização deixam de se subordinar ao autoritarismo burocrático e passam a se consolidar de maneira não-autoritária, num autêntico exercício de cidadania.
Completa-se este ciclo de civilização com as preocupações cada vez maiores em ouvir e atender os consumidores. E com a busca permanente do aprimoramento, encarando a modernização como um processo permanente.
Os trabalhadores desse universo de empresas modernas compõem, hoje em dia, a vanguarda da modernização cultural do país. São muito mais exigentes em relação a seus direitos, têm noções muito mais precisas sobre seus limites, seja no trânsito, nas relações com os vizinhos ou na análise do poder público.

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