São Paulo, quarta-feira, 19 de abril de 1995
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As inverdades transparentes

JANIO DE FREITAS

O presidente Fernando Henrique Cardoso fica muito mal diante do que o Tribunal de Contas da União verificou na Previdência. Ao justificar, para o Congresso, o seu veto ao salário mínimo de R$ 100 em janeiro, Fernando Henrique citou argumentos e cifras que atribuiu a estudos de dois setores do Ministério da Previdência (Secretaria Executiva e Secretaria da Previdência Social) e ao Ministério do Planejamento. Nestas origens e em outras, porém, os auditores do TCU só encontraram a afirmação de que nenhuma delas jamais fizera os estudos citados pelo presidente.
Os auditores, como era previsível, não encontraram explicação consistente para esse comportamento de Fernando Henrique. O que encontraram foi um texto, feito por Luciano Olica Patrício, secretário do Ministério da Previdência, sem fundamentação técnica e sem veracidade nas cifras. É lícito presumir que feito só para dar ao presidente os dados que aparentemente amparassem o veto por ele desejado. Um texto, pois, que, em vez de ir para o lixo, foi utilizado e apresentado por Fernando Henrique, oficialmente, como estudos também oficiais de dois ministérios.
A investigação do TCU na Previdência constatou outros absurdos tão graves quanto a inveracidade cometida pelo presidente e pelo ministro Reinhold Stephanes. A descoberta de que R$ 659 milhões destinados a aposentadorias e pensões, porque provenientes de contribuição de assalariados e empresas, foram desviados para pagamentos devidos pelo Tesouro Nacional, fez-se acompanhar de algo não menos espantoso. Este financiamento dos contribuintes da Previdência ao cofre geral do governo era encoberto pelo truque -um segundo ato de desonestidade administrativa- de mudar o item em que o dinheiro figurava na contabilidade governamental. Não fosse esse saque no dinheiro de aposentados e pensionistas, o saldo da Previdência em 94 seria, não do já expressivo R$ 1,8 bilhão, mas de R$ 2,5 bilhões. O que torna ainda maior a mentira que amparou o veto de Fernando Henrique.
Stephanes tenta desviar o sentido das constatações do TCU, como se o principal nelas fosse a existência do saldo de R$ 1,8 bilhão, já conhecida há algum tempo. A preferência pelo desvio não é original no ministro. Mas tal preferência só continua prevalecendo no que respeita à sua própria aposentadoria, cujos fundamentos ainda estão pendentes de comprovação por ele. Nem mesmo o saldo antes conhecido se sustenta mais, em vista do dinheiro usado como se fosse do Tesouro.
A gravidade das constatações feitas pelo TCU justifica investigação mais ampla e mais profunda no ventre da Previdência, para verificar usos anteriores, e não apenas em 94, de truques e ordinarices só agora descobertos e de outros muitos prováveis. O governo que seria da transparência revela-se opaco demais. É preciso iluminá-lo de fora. E começando da Previdência, porque sua reforma, necessária, não pode ser baseada em dados inconfiáveis. Ou melhor, deliberadamente falsos.
O tribunal cujos auditores fizeram tais descobertas na Previdência é o TCU que alguns do governo pretendem ver extinto, a pretexto da reforma administrativa. Ficou mais fácil entender o propósito de extingui-lo.

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