São Paulo, segunda-feira, 24 de abril de 1995
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"Brasil não tem política agrícola", diz produtor

BRUNO BLECHER
EDITOR DO AGROFOLHA

Desde que trocou, em 1981, São Miguel do Iguaçu, no oeste do Paraná, pelos chapadões do Mato Grosso, Blairo Maggi, 38, cultiva o sonho de transformar os cerrados do Centro-Oeste numa região tão rica quanto o Meio-Oeste dos Estados Unidos (maior pólo de produção de grãos do mundo).
Nas fazendas da família em Rondonópolis e chapada dos Parecis, Maggi semeou este ano 30 mil hectares com soja (área que só perde para a de Olacyr de Moraes), e espera colher 1,440 milhão de sacas, o equivalente a US$ 13 milhões.
"Aqui tudo favorece a soja. A topografia facilita a colheita, as chuvas chegam na época certa e a produtividade ultrapassa a média norte-americana", diz o empresário.
Responsável pela comercialização de 10% dos 5,7 milhões de t de soja que o Mato Grosso está colhendo este ano, o grupo Maggi está empenhado na construção da hidrovia Madeira-Amazonas.
O empreendimento vai custar ao grupo R$ 70 milhões e pretende encurtar a distância entre o noroeste do MT e o porto de Roterdã, na Holanda.
"Mas o desenvolvimento do Centro-Oeste depende de uma política agrícola estável, o que falta hoje ao país", diz Maggi.
Em entrevista à Folha, o empresário de Rondonópolis disse que os bancos comandam a economia do país, enquanto a sociedade, manipulada pelo governo, tacha os agricultores de caloteiros.
Veja os principais trechos.

Folha - O Congresso nocauteou o governo no início de abril ao acabar com a TR (Taxa Referencial) nos financiamentos agrícolas. O sr. apóia esta decisão?
Blairo Maggi -Apóio. Desde a época do presidente Collor, antes até, o governo vem prejudicando a agricultura. Todos os planos econômicos surpreenderam os agricultores no período de colheita, causando sérios problemas ao setor. No Real não foi diferente, apesar das advertências das lideranças rurais.
Folha - O argumento do governo é de que se a TR for extinta o Tesouro Nacional vai arcar com um rombo superior a R$ 5 bilhões. Quem paga esta conta?
Maggi -O próprio governo deve pagar. Se tivessem avisado o produtor de que ele teria que pagar a TR e não haveria garantia de preços duvido que ele teria plantado.
Folha - Mas o produtor não sabia que teria que pagar a TR quando tomou o empréstimo?
Maggi -O governo prometeu manter o equilíbrio financeiro dos contratos. Ou seja, garantiu que os preços mínimos seriam corrigidos pelo mesmo indexador da dívida. Veja o caso dos financiamentos do Finame (linha de crédito para máquinas agrícolas), onde o agricultor, em dois ou três anos, acaba pagando três vezes o valor do trator que financiou.
Folha - O governo alega que a correção dos preços mínimos faria a inflação disparar.
Maggi - Se o governo reajustar os preços mínimos ou vai ter que subsidiar lá na frente ou vai provocar uma alta na inflação. Mas é o produtor quem tem de pagar esta conta ou é a sociedade como um todo? Se quer estabilidade econômica e alimentos baratos, o governo tem que emprestar dinheiro barato.
Folha - O sr. tem dívidas corrigidas pela TR?
Maggi - Tenho.
Folha - Então será beneficiado com esta medida.
Maggi - Não vou ganhar nada, apenas vou deixar de perder. Se tiver que pagar tudo com a TR acumulada, minha empresa vai passar o ano trabalhando sem ter retorno nenhum. O que está errado é esta correlação que estão fazendo entre os agricultores e os inadimplentes. Estão tachando todos os agricultores de caloteiros.
Folha - Segundo o governo são os grandes produtores os maiores devedores do crédito rural?
Maggi - A lista que a Folha divulgou mostra que são as grandes indústrias que devem uma grana violenta ao Banco do Brasil. São pessoas que não estão com as mãos na terra como nós. Eu sou um grande empresário rural, mas vivo aqui no interior. Estou todos os dias na fazenda, sou competente e consigo alta produtividade. Nós estamos desenvolvendo novas tecnologias, trabalhando, gerando empregos, pagando impostos.
Folha - O sr. é a favor do subsídio à agricultura?
Maggi -O subsídio é uma forma de atrair gente incompetente para a agricultura. Acho que o governo deve tirar os impostos da agricultura. Hoje cerca de 33% do custo de produção é imposto.
Folha - Com a queda dos preços da soja, a região Centro-Oeste deve entrar novamente em crise. Como viabilizar a produção da fronteira agrícola?
Maggi -O ministro José Serra, do Planejamento, vive reclamando que o Centro-Oeste está longe de tudo, que é muito complicado produzir aqui, que custa caro para o país. Temos dados que comprovam que o Mato Grosso envia por ano cerca de US$ 1,3 bilhão para o Sul do país. E a maior parte deste dinheiro vai para São Paulo, onde nós compramos insumos, máquinas, onde estão os grandes bancos, para quem nós pagamos os juros. Estamos injetando na economia de São Paulo perto de US$ 1 bilhão por ano. Para a economia paulista este dinheiro faz diferença ou não? Se estamos tão longe e geramos tantos problemas para a nação, por que o nosso imposto tem que ser o mesmo de São Paulo? O governo teria que abrir mão de algum tipo de imposto para o Centro-Oeste. Se tirassem o ICMS da soja e do milho nós poderíamos competir com qualquer Estado do país e ser também altamente competitivos no mercado externo.
Folha - O Centro-Oeste está sendo prejudicado?
Maggi -Estamos sendo relegados a segundo plano. As estradas estão todas esburacadas. O frete para levar a soja de Rondonópolis ao porto de Paranaguá (PR), que custava US$ 30/t no ano passado, hoje custa US$ 46/t. O governo deveria criar uma espécie de zona franca de produção de grãos para exportação, onde os insumos e equipamentos agrícolas pudessem ser importados sem taxas. E a produção de grãos e carnes pudesse ser exportada sem impostos.
Folha - A soja gera muitos empregos no Centro-Oeste?
Maggi - Se não fosse a soja, não existiria nada aqui. A soja não gera apenas empregos na lavoura. Atrai agroindústrias e uma rede de serviços, como oficinas, escolas, revendedores de máquinas.
Folha - A sociedade tem preconceito contra o agricultor?
Maggi - Basta ver como a imprensa hoje está tratando o produtor rural. Amigos meus, de São Paulo, estão tirando sarro da minha cara. Eles dizem: vocês querem tudo, não querem pagar juros. Nós não queremos juros subsidiados. Vamos pagar nossas dívidas. Ninguém quer nada de graça.
Folha - Pela sua avaliação, a política agrícola do governo FHC é um desastre.
Maggi -Não existe política agrícola no país. Existe sim uma política financeira. Todas as amarrações são feitas para proteger os bancos. O Brasil hoje funciona da forma que o sistema bancário quer. Folha - E o ministro da Agricultura?
Maggi -O melhor ministro da Agricultura é um bom ministro da Economia. O Ministério da Agricultura não tem dinheiro e quem faz a política é que tem o dinheiro. O ministro Andrade Vieira é bem intencionado, conhece agricultura, mas não tem a chave do cofre.

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