São Paulo, segunda-feira, 24 de abril de 1995
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O prolongamento da vida

MAURÍCIO BARRETO

As últimas décadas da sociedade brasileira têm se caracterizado por transformações marcantes em diversos aspectos da vida social. Entretanto, ao mesmo tempo, a incapacidade para resolver problemas estruturais fundamentais (saneamento, habitação, educação, fome etc.) e de diminuir o largo fosso das desigualdades sociais, tem sido enfatizada por analistas, independentemente das suas matizes político-ideológicas.
Com relação às condições de saúde é alvissareira a observação de que a expectativa era de 34 anos, em 1990 alcançou 66 anos e projeta-se 72 anos para o ano 2020. Os números acima apresentados são médios e, portanto, escondem as já referidas desigualdades econômicas, sociais e regionais, tão extremas em nosso país.
Devemos, porém, fazer algumas considerações sobre por que e em que condições ocorre este prolongamento da vida:
1) Diminuição da mortalidade pelas doenças infecciosas. Enquanto em 1930 os óbitos devido a essas doenças representavam 45% do total de óbitos da população, em anos recentes esta proporção caiu para menos de 10%. Todavia, esta diminuição da mortalidade não foi acompanhada de uma queda similar na ocorrência da doença. Para algumas doenças, inclusive, temos observado tendências crescentes (leishmaniose, tuberculose), outras reaparecem (cólera, dengue, febre amarela), além das recém-aparecidas (Aids).
2) O aumento das doenças crônico-degenerativas (câncer, doenças cardíacas etc) para os quais os recursos de prevenção são escassos.
3) A ampliação dos conflitos sociais em áreas urbanas e rurais tem gerado uma "epidemia" de violência. As mortes por causa violenta, que em 1980 constituíam 8% do total de óbitos, já representam 15% em anos recentes.
4) A fome endêmica atinge índices inaceitáveis.
5) A exploração descontrolada dos recursos ambientais e da mão-de-obra trabalhadora tem gerado uma gama nova de problemas (efeitos de poluentes diversos, acidentes de trabalho, doenças de origem ocupacional etc).
6) Não podemos deixar de referir o crescimento das doenças e problemas mentais, apesar de seu pequeno impacto na mortalidade.
A soma de tudo isto resulta em um aumento acentuado da carga global de sofrimento e doenças da população, sendo o seu efeito mais visível o crescimento vertiginoso da demanda por serviços de saúde, gerando o caos, tão conhecido por todos nós.
A solução frequentemente apresentada para o equacionamento desse quadro tem sido a intensificação do uso das tecnologias médicas através da assistência curativa individual. Isto é um direito que para ser assegurado a cada cidadão, necessitará de uma reorganização profunda dos serviços de saúde.
Porém, a não-intervenção sobre os determinantes da doença, que estão na base da própria organização e das desigualdades da sociedade, nos levará, inexoravelmente, a nos transformarmos em uma sociedade de velhos e doentes, na qual viver mais não será sinônimo de felicidade, mas sim de sofrimento.

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