São Paulo, segunda-feira, 24 de abril de 1995
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Aprendendo a vender automóvel

HELCIO EMERICH

Deu no "The New York Times": os concessionários das três grandes marcas de automóveis dos EUA resolveram mandar seus vendedores de volta à escola. As montadoras americanas, como as brasileiras, mantêm unidades de treinamento para todos os escalões funcionais das suas redes autorizadas (a GM, por exemplo, tem o Vision Center para a linha Oldsmobile, a Customer Focus Academy para a divisão Chevrolet e outras), mas os programas oferecidos nesses centros têm objetivos mais genéricos, como persuadir os concessionários a prestar melhores serviços aos clientes (atendimento, novas facilidades nas oficinas, cuidados com a aparência e o conforto dos "show-rooms" etc). A preparação dos vendedores é de natureza mais técnica: eles devem conhecer a fundo as características dos carros que oferecem e isso é tudo.
Ou era. O conceito do vendedor de automóveis das autorizadas americanas vinha sofrendo um processo de corrosão devastador. A imagem de profissional ambicioso, viscoso e enganador parecia irremediavelmente instalada na mente do consumidor. Algumas histórias cabeludas contribuíam para a má fama. Numa delas, um tribunal do Texas condenou por pressão psicológica e abuso do consumidor uma revenda Nissan da cidade de Tarrant County porque um dos seus vendedores impediu na marra, durante quatro horas, que um cliente portador de deficiência física saísse da loja (tomando-lhe inclusive as chaves da sua casa) na tentativa de empurrar-lhe um carro zero. Vexames desse tamanho jogavam no limbo a auto-estima da categoria e foi então que a entidade de classe dos concessionários tomou a decisão de criar uma espécie de escola superior para vendedores das redes autorizadas. Dos 19.400 revendedores existentes nos EUA, 350 concordaram imediatamente em pagar uma quota de U$ 1.295 para montar a "universidade" e mais US$ 295 por funcionário inscrito. Para frequentar o curso, os candidatos devem estar trabalhando há pelo menos seis meses numa autorizada e ter passado antes pelo treinamento convencional das montadoras. A carga é de oito horas de aulas teóricas, doze horas de aulas com auxílio de recursos audiovisuais e uma sucessão de estágios em concessionárias de várias regiões do país. Nenhum aluno é aprovado se não conseguir se sair bem em 70% dos testes e situações que compõem o exame final. Em compensação, os "graduados" ganham automaticamente a condição de membros da SASP (Society of Automotive Sales Professionals), com direito a placa e diploma na porta das suas salas, nas lojas onde trabalham (o que lhes daria mais credibilidade junto aos clientes e estimularia outros profissionais a se inscreverem no curso).
E o currículo da escola? A matéria do TNYT diz que o grande desafio dos professores é ensinar os vendedores a "enfrentar o mundo real com etiqueta" e a "vender carros charmosamente". Como toda coisa de americano, há um rico cardápio de "Dos" e "Dont's" para melhorar o desempenho do vendedor (como se vestir, como tratar clientes do sexo masculino, feminino e de outros sexos, não beber na hora do almoço, falar sempre a verdade, manter um porta-retratos com foto da família na mesa, responder às perguntas dos filhos dos clientes e até recomendar um carro da concorrência, se for o caso). Uma aula inteira é dedicada a preparar o vendedor para o diálogo com o consumidor mentiroso. "Há clientes que mentem sobre negócios que lhe foram oferecidos em outra revenda, sobre o preço que o vizinho teria pago por um carro igual ao que ele quer comprar, sobre sua conta bancária e assim por diante. Nem por isso deixa de ser cliente" - pontifica S. Gercke, um dos diretores da escola.

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