São Paulo, segunda-feira, 24 de abril de 1995
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Mostra exclui Brasil do futuro do cinema

Ciclo do Rio ignora filmes nacionais

AMIR LABAKI
DA EQUIPE DE ARTICULISTAS

O Brasil está fora do futuro do cinema, a julgar pela curadoria do ciclo "Cinema Latino-Americano: Os Próximos Cem Anos", que acontece nesta semana no Rio.
Nenhum filme nacional está entre os oito títulos selecionados para o ciclo dedicado ao cinema que aponta para o amanhã. Tampouco há qualquer representante brasileiro no debate sobre "o desafio de uma nova estética para o próximo século", que reúne na quinta Miguel Littin (México), Edmundo Aray (Venezuela) e Pastor Vega (Cuba), entre outros.
A produção brasileira é contudo hegemônica (quatro em dez filmes) na outra mostra, dedicada "aos primeiros cem anos". O título nacional mais recente no evento é o belo "Gaijin, Caminhos da Liberdade" (1980) de Tizuka Yamazaki, incluído com certo exagero na lista dos clássicos. Nada mais dos anos 80 ou 90. A crise tem sido brava, mas nem tanto.
O critério básico para a lista dos filmes dos próximos cem anos parece ter sido o da seleção de longas dos anos 90 que apresentam algum tipo de inovação narrativa, seja radical como a câmera fixa de "A Tarefa" do mexicano Humberto Hermosilo ou onírica como "O Lado Escuro do Coração" do argentino Eliseo Subiela.
Nem precisamos ir muito longe. Fiquemos apenas no último ano e dois títulos logo despontam. "Veja Esta Canção" de Carlos Diegues, com toda sua irregularidade, apresenta interessantes experiências formais com a mistura de elementos de cinema e vídeo.
Já "Alma Corsária", de Carlos Reichenbach, retrabalha o cinema testemunhal com vigor e sutileza.
Fossem um pouco menos estreitos os critérios e a lista poderia ser muito mais interessante e a presença nacional, merecidamente marcante. A mera inclusão de curtas já garantiria uma boa lufada de ar renovado. Do Brasil, seriam obrigatórias as contribuições recentes de Jorge Furtado (qual filme nacional ou latino-americano recente é mais original e influente que "Ilha das Flores"), Cecílio Neto ("Wholes") e Tadeu Knudsen ("Espectador").
O filme standard de uma hora e meia ou duas horas contando uma historinha que se assiste temperado por pipoca em salas públicas é a tradição deste século cuja provável superação se pretenderia discutir. Se o cinema tiver um futuro, ele certamente será o da multiplicidade de formatos. Pesquisá-los na América Latina, ainda que timidamente, poderia ter sido a grande contribuição desde ciclo. Venceu a nostalgia.
PS - A ausência de "Limite", rodado pelo jovem Mário Peixoto em 1930, da lista dos maiores clássicos deste centenário é o grande símbolo desse conservadorismo todo.

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