São Paulo, segunda-feira, 24 de abril de 1995
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'Amizade Colorida' é esmagado pelo tempo

ESTHER HAMBURGER
ESPECIAL PARA A FOLHA

A começar pelo próprio título, "Amizade Colorida", o seriado exibido esta semana no "Festival 30 Anos" da Rede Globo (diariamente 14h10) expõe a marca do tempo que castiga produtos televisivos de maneira implacável.
Premida pela necessidade de produzir para o consumo imediato, muito de nossa teledramaturgia se apóia no uso de gírias, roupas e novidades eletrônicas da hora para conquistar os telespectadores. Ambientados em um presente meio indefinido, que rapidamente se transforma em passado, os seriados quase que instantaneamente perdem o impacto que porventura tiveram à época de sua exibição.
A mensagem modernizante de "Amizade Colorida", escrita entre outros por Braulio Pedroso, Domingos de Oliveira e Lenita Plonczynska, aliava mordaz crítica de costumes a signos de modernidade hoje caducos. O protagonista Edu (Antonio Fagundes), fotógrafo de publicidade, moderno e solteiro já não convence.
Seu visual, provavelmente moderníssimo em 1981, quando foi produzido o seriado, hoje não é verossímil. A meia geladeira de um dos episódios significava sintonia com um estilo de vida do futuro. Em 1995, seu design comunica mensagem de coisa antiga.
Não se trata aqui de descartar qualquer transcendência à ficção televisiva. Envolvendo alguma reconstituição de época, e tratando problemáticas semelhantes, minisséries também reexibidas, como "Anos Rebeldes" ou "Desejo", transcendem com maior facilidade o momento da exibição original.
Trata-se somente de observar as limitações de trabalhos que, premidos pela urgência própria da lógica televisiva, às vezes produziram até mais impacto imediato, mas caducaram mais facilmente.
A introdução da linguagem coloquial foi um marco importante na teledramaturgia brasileira. Levado às últimas consequências, esse recurso pode no entanto limitar a transcendência dos programas. Expressões como "Tudo bom, bicho?" ou "a minha mina" provavelmente tiveram apelo imediato no momento em que a série foi escrita, produzida e exibida. Mas contribuem para envelhecer o produto. Mesmo que a temática tratada continue atual.
Seriados como "Malu Mulher", "Carga Pesada" (ambos de 1979) e "Amizade Colorida" (1981) condensam a proposta "realista" desenvolvida nas telenovelas. Originalmente produzidos para ir ao ar no horário das 22h, esses seriados procuraram aprofundar problemáticas sociais.
Legitimando o prazer feminino, "Malu Mulher", por exemplo, levou ao ar o primeiro orgasmo da TV brasileira, simbolizado na mão contraída de Regina Duarte, que se abre em êxtase. Fez sucesso estrondoso no Brasil e no exterior.
Na esteira de "Malu", "Amizade Colorida" tematiza as dificuldades de ser homem em um tempo genericamente tratado como um presente já e agora, povoado por mulheres modernas.
A mais que bem-vinda reexibição de trabalhos globais dos anos 70 e 80 revelou a radicalidade da crítica de costumes dessas produções. Mas também pôs a nu as limitações de uma proposta que usa símbolos e objetos cujos significados são instáveis e momentâneos.

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