São Paulo, segunda-feira, 24 de abril de 1995
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Mudhoney ironiza culto ao som de Seattle

MARCEL PLASSE
ESPECIAL PARA A FOLHA

"My Brother the Cow", quinto disco do grupo Mudhoney, é o tiro de misericórdia no "grunge" (o tal rock de Seattle) agonizante.
A barra pesa. "Por que você não explode o cérebro também?", pergunta Mark Arm, debochado, na música "Into Your Schtick".
Mesmo quem tem meio cérebro sabe ao que ele se refere. Uma pista: "My Brother the Cow" saiu no mês em que Seattle lamenta o primeiro ano da morte de Kurt Cobain, o maior ídolo da cidade desde Jimi Hendrix. Cobain, líder do grupo Nirvana, foi encontrado morto, com uma bala na cabeça, em 8 de abril de 1994.
Um pouco da história: Mudhoney e Nirvana surgiram no final dos anos 80, em Seattle (com Pearl Jam, Soundgarden e Alice in Chains), em meio a um circo de mídia e moda, embalado para consumo sob o rótulo "grunge".
Ninguém mais fala na moda, enterrada um pouco antes de Cobain. Mas Arm já vinha cantando a bobagem do "hype" (promoção exagerada) desde a trilha do filme "Vida de Solteiro" (1992), passado em Seattle. "Todos nos amam, todos amam nossa cidade", ele gravou, cinicamente.
Agora, o ataque às viúvas da cena torna-se irritante. Ao menos, Courtney Love, viúva de Cobain, ficou muito irritada.
Um dos motivos: em "Generation Spokesmodel", a banda desvirtua o clássico do The Who, "My Generation" , para jogá-lo na cara dos ídolos fabricados pela mídia. Love colocou a carapuça.
O ataque ao marketing do "grunge" faz parte do espírito punk do grupo. Mas não é a única "causa" do disco. Mais engajada é a denúncia de "Fearless Doctor Killers", sobre a ação de grupos conservadores que, "em defesa da vida", matam médicos aborteiros nos EUA.
Mudhoney nunca deixou passar a chance de provocar e agitar, desde as primeiras gravações para o selo independente Sub Pop (lar do "grunge"), no porão da casa do produtor Jack Endino, em 1988.
O EP "Superfuzz Bigmuff", da época, virou um marco do novo rock americano por sua avalanche de distorções e alusões doentias -"Touch Me I'm Sick" contagiava em plena paranóia da Aids.
A característica musical? Um estúdio de oito canais e pedais de guitarra muito velhos. Baixa tecnologia. Nunca se teorizou e se gravou tanto com equipamentos antiquados quanto no "grunge".
Os discos seguintes do grupo mudaram pouco a abordagem. Ao assinar com a Warner e gravar o álbum "Piece of Cake" (1992), Mudhoney pulou do estúdio de oito para o de 16 canais -as multinacionais costumam gravar seus artistas em 32 canais.
"My Brother the Cow" marca o reencontro de Mudhoney com Endino, que, nesse meio tempo, andou produzindo até os Titãs. Para manter a sonoridade rústica dos primeiros discos, a banda decidiu gravar as sessões em equipamento analógico (não informatizado).
O resultado é estridente como a grande influência do Mudhoney: o grupo Stooges (surgiu no final dos anos 60). A faixa que encerra o álbum, "1995", é inspirada em "1969" dos Stooges -também conta com a participação de Renastair E.J, do grupo australiano Bloodloss, com quem Arm anda gravando.
A letra de "1995" remete ao tema constante do disco: "É 1995 mesmo. Dizem que tenho sorte em estar vivo". Completa a ironia: "Eu e todo mundo".
Carregado de apitos de microfonia, "My Brother the Cow" é o disco mais barulhento que o grupo já gravou. Punk até quando se expressa em blues. O mais doentio e -já que os superlativos permitem- o melhor álbum de sua carreira. (Marcel Plasse)

Disco: My Brother the Cow
Banda: Mudhoney
Gravadora: Warner
Preço: R$ 20,00 (o CD, em média)

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