São Paulo, segunda-feira, 24 de abril de 1995
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Hora de estender a mão

LUIZ ANTONIO FLEURY FILHO

Está valendo a pena. E a maioria esmagadora da sociedade concorda: o desafio do Plano Real está valendo a pena, sim. O que se precisa é impedir que as teses negativistas dominem os meios de comunicação, ganhem as ruas e vençam os debates acadêmicos.
Tenho acompanhado, apreensivo, declarações de renomados economistas de que o Plano Real acabou, em sintonia com o estardalhaço feito por seus padrinhos políticos segundo os quais o governo FHC inexiste.
Não é justo dizer que um governo empossado há cem dias está no final, fomentando-se candidaturas prematuras à sucessão do atual presidente e orquestrando-se de norte a sul campanhas de desestabilização do Plano Real.
Particularmente entendo que o Plano Real está bem estruturado, embora precise sofrer algumas correções. Afinal, o programa de estabilidade econômica em andamento foi gestado num momento diferente do atual. Não havia a crise do México e da Argentina. Mas se usar a crise cambial, que pode ser contornada, para dizer que o Real acabou é um desserviço à nação e se choca contra a vontade popular.
Os mais pobres e desprotegidos contra a ciranda financeira desejam que o Plano Real dê certo. Os que convivem no dia-a-dia com os problemas da população sabem o que significa a estabilidade de preços. A dona de casa que paga há meses o mesmo preço pelo pãozinho sabe do que estou falando.
Felizmente, as previsões mais apocalípticas sobre os destinos do país acabaram não se confirmando. Como se viu, "praga de urubu velho não mata cavalo gordo", como se diz no interior, e o Plano Real continua a gozar de boa saúde. Basta ver que a inflação continua contida em torno de 2% ao mês.
É verdade que manter a inflação baixa não é tudo. Precisamos de medidas que recoloquem a economia brasileira no caminho do crescimento, com a abertura de novos empregos, já que sabemos da necessidade de gerar 2 milhões de novos postos anualmente para garantirmos o acesso ao trabalho dos jovens que estão chegando ao mercado.
Na verdade, essa postura pessimista que domina a elite brasileira, não apenas a detentora do poder econômico, mas especialmente a que comanda de forma coronelista a direção de alguns partidos e a que manipula há décadas o movimento sindical, precisa ser derrotada, assim como foram banidos da vida nacional alguns dogmas até pouco tempo considerados intransponíveis.
Há os que têm a vocação para a construção e há os que têm apenas propósitos negativistas, de implodir as pontes que poderiam nos levar a um porto mais seguro. Uns se erguem cedo para a luta de todos os dias. Outros passam a vida sentados e, como dizia Antonio Carlos Jobim, "sempre criticando quem trabalha, sempre tocando fogo no mato, sempre falando mal de São Paulo".
Portanto, vivemos um momento histórico no qual, mais uma vez, temos a oportunidade de adotar uma posição que não seja a do confronto. O momento exige a união de todos. O presidente Fernando Henrique Cardoso tem agora pela frente a grande batalha das reformas constitucionais, absolutamente indispensáveis não só para manter o real de pé, mas também para inserir o Brasil no caminho de maior justiça social e de um progresso econômico continuado.
Não se pode mais adiar o debate sobre a reforma tributária, sobre os monopólios estatais ou sobre a Previdência Social, à beira da falência. Precisamos discutir o tamanho do Estado, quais os benefícios sociais que podemos bancar e de onde tiraremos os recursos para mantê-los.
Pelos recentes incidentes no Congresso Nacional já se vê que a luta do presidente não será fácil. Poderosos interesses se unem contra ele. Temos, em primeiro lugar, os fisiologistas de sempre, para os quais o grande debate nacional é apenas mais uma maneira de manter seus privilégios.
Em seguida vêm os eternos radicais do "quanto pior melhor", pessoas que todas as manhãs abrem o jornal procurando avidamente a pior notícia do dia na equivocada expectativa de ver o circo pegar fogo.
Essas forças contam ainda com a mobilização do "sindicalismo curupira". A exemplo do duende indígena que tinha os pés voltados para trás, esse sindicalismo finge caminhar num sentido enquanto segue no sentido oposto. Especialista em confusão, grita ao povo que está avançando, quando na verdade vai recuando.
Não se pode esquecer de anexar a esse grupo os especuladores, os gananciosos, que visam apenas o lucro, interessados em criar altas e baixas artificiais, temerosos de perder seus melhores dividendos na ausência de crises ou quando a inflação for definitivamente domada.
E, enfim, nunca faltarão nesse rol os economistas e políticos de alma pequena para os quais não há nada de mais insuportável do que o êxito alheio. Toda essa gente unida representa uma força negativa muito grande e o povo está cheio dela.
É contra esses interesses escusos que precisamos direcionar nossa energia. Afinal, somente com a união de todos conseguiremos realizar as reformas das instituições para que o Brasil se torne mais moderno, mais rico e mais justo.
O presidente Fernando Henrique Cardoso foi eleito, ainda no primeiro turno, para realizar as reformas necessárias e resgatar a confiança dos mais carentes. Por isso, ele precisa do apoio de todos os que, de bom senso, desejam iniciar o processo que acabe com a miséria absoluta imposta a 70 milhões de brasileiros.
Assim, o PMDB, partido que viabilizou o Plano Real ao aprovar as medidas que o sustentaram, não pode ficar neutro nessa disputa entre os que desejam um país mais justo e os que preferem que tudo fique como está.
Forjado na luta contra o autoritarismo e temperado no exercício das responsabilidades do poder, o PMDB precisa honrar suas tradições e se posicionar pela discussão das reformas estruturais imprescindíveis. Está na hora de se estender a mão ao presidente Fernando Henrique Cardoso.

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