São Paulo, segunda-feira, 24 de abril de 1995
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Ofereço a outra face

JOSIAS DE SOUZA

BRASÍLIA - Há pessoas que não vieram ao mundo para agredir. Assim é com d. Paulo Evaristo Arns. O arcebispo traz o amor enterrado na alma. A doçura vaza-lhe os olhos.
Há uma semana, pedi a d. Paulo que falasse de Jesus na Páscoa. Roguei-lhe que, entre uma estocada em Fernando Henrique e uma crítica ao neoliberalismo vigente, fizesse uma concessão ao Cristo.
Minhas observações levaram desassossego à Arquidiocese de São Paulo. E, não podendo responder-me diretamente, d. Paulo, doce, sempre doce, providenciou para que o irmão Arnaldo Beltrami, vigário episcopal, o fizesse.
O vigário Beltrami revelou-se um Schwarzenegger da sacristia, um Van Dame da batina, um Stalone do celibato. Impiedoso, destroçou-me. Chamou-me prepotente, arrogante, aético...
E por quê, meu Deus? Que pecado cometi? Pedi a d. Paulo que pingasse uma referência a Jesus, que gotejasse o nome do Nazareno em suas mensagens de Páscoa.
Derramadas na terceira página da Folha, na última sexta-feira, as palavras do vigário deixaram-me arrasado. Um sacerdote católico é representante de Deus na Terra. Sabendo que falava por encomenda de d. Paulo, senti-me como se o próprio Altíssimo tivesse despencado dos céus para castigar-me.
O vigário acusou-me de "barbarizar a Páscoa". Didático, explicou que "política é a busca do bem comum para todos." E justificou a ausência do Cristo nas manifestações de d. Paulo: "Falar de política na Páscoa (...) é uma forma encarnada, histórica, atual, de viver a Páscoa".
Súbito, descubro-me um ignorante eclesiástico. Arrependo-me. Envergonho-me de minha condição de bárbaro pascal. E já me desdigo: esqueça o Cristo, d. Paulo. Faça política, doce arcebispo.
Ao irmão Beltrami, peço que reze por mim. Inclua-me em suas orações, severo vigário. Ou, se preferir, sirva-se de minha outra face.

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