São Paulo, segunda-feira, 1 de maio de 1995
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A psicologia no espelho

<UN->RENATO MEZAN

RENATO MEZAN
Da mesma forma, a noção psicanalítica de representação não pertence à esfera cognitiva de corte cartesiano, mas introduz a idéia de um objeto que atua sobre o sujeito no plano afetivo e tem impacto sobre a regulação do seu nível de angústia: as representações inconscientes do pênis castrável ou do seio perseguidor não dependem nem da abstração de atributos do objeto, à maneira de Aristóteles, nem da evidência garantida pelo Deus veraz, à maneira de Descartes. Tudo indica que, a partir de uma crítica bem fundamentada à teoria da correspondência, Luis Cláudio acaba por abandonar um conceito que, reposto num contexto mais rico, lhe poderia prestar bons serviços -bastando para isso desvincular a representação do ``projeto epistemológico moderno" de cujas insuficiências sua análise nos convence sem dificuldades. Desta forma, uma idéia a meu ver demasiado estreita da representação o leva a procurar, do lado dos autores que efetuam a crítica do projeto moderno, algo que talvez esteja mais à mão na vertente dialética deste mesmo projeto.
Talvez o próprio uso da ética como instrumento avaliador e genealógico seja uma herança iluminista, temperada pelo ``ethos" marxista que vinculava liberdade e conhecimento das leis da história, conhecimento cuja finalidade era transformar a condição humana. Certamente, Luis Cláudio tem a sobriedade dos contemporâneos; nada menos ingênuo do que seus refinados instrumentos de análise, nada menos esquemático do que a ponderação dos diversos fatores que tornam complexa a série de questões sobre as quais se debruça. Mas, no trajeto ``da epistemologia à ética" balizado pelos ensaios aqui comentados, o autor se compromete com o pensamento iluminista e com os sentidos mais dramáticos da divisa kantiana: ``Sapere Aude", ousa conhecer -conhecer aquilo que, em nós e no mundo, atemoriza e angustia: o avesso das nossas idéias e das nossas experiências. É numa leitura da psicanálise guiada pela reflexão heideggeriana que -como terceira linha de pesquisa- Luis Cláudio vem buscando elementos para desenvolver seu projeto. Que desta incursão pelo ``outro lado do espelho" resultem textos tão instigantes quanto os que compõem o pequeno volume aqui resenhado.

RENATO MEZAN é psicanalista, membro do departamento de psicanálise do Sedes Sapientiae e professor da PUC/SP (Pontifícia Universidade Católica)

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